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Eu, instagramável. Você, estragável.

 Eu, instagramável. Você, estragável.

O prefeito da Estância Turística de Barretos, Odair Silva (Republicanos), tem publicado com frequência vídeos em suas redes sociais, especialmente em seu perfil no Instagram — o que mais acompanho. São vídeos da viagem a Israel, da volta de Israel… Entre nós, o mais constrangedor foi aquele protagonizado pelo vice-prefeito, Mussa Calil Neto (MDB), aparentemente dentro do gabinete, aguardando a entrada de Odair. Eles se cumprimentam como se ainda não tivessem se visto, e o prefeito agradece ao vice por ter “cuidado da cidade” em sua ausência. Vídeos forçados assim chegam a ser hilários.

Também há registros do prefeito dentro de uma escavação (limpíssima), durante obras do SAAEB, mostrando consertos em andamento. Mostra asfalto refeito em esquinas, reuniões nas quais cobra agilidade dos secretários. Um vídeo que me chamou atenção, pela situação inusitada, foi o dele dirigindo um dos novos ônibus — mesmo que apenas dentro da garagem. Não é algo comum de se ver.

É legítimo que o prefeito publique seus vídeos. Ele tem todo o direito. Mas penso que falta “jogo de cintura”. Falta alguém que lhe “mostre o caminho das pedras”. Os vídeos acabam sendo muito superficiais. Além do episódio com Mussa, lembro-me de outro, na Creche “Mãe Comerciária”, após um incidente em que uma criança foi picada por um escorpião.

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É louvável que as autoridades tenham uma visão prática do que ocorre em todos os espaços públicos — inclusive em creches. É evidente que houve uma conversa prévia antes da gravação. Mas o vídeo, em si, revela uma produção excessivamente centrada na figura do prefeito. Ele afirma, tanto à direção da creche quanto à secretária de Educação, dona Mirka, que faz questão de ser informado sobre qualquer ocorrência. Sinceramente, me causaria estranheza se ele não quisesse saber de nada. Afinal, foi eleito justamente para isso: saber e resolver os problemas do município. Seria uma oportunidade mais produtiva se a diretora da creche tivesse tido espaço para relatar detalhadamente o que aconteceu. Mas falou apenas de forma superficial.

Repito: é legítimo que o prefeito divulgue vídeos de sua atuação como chefe do Executivo. Em nenhum momento me passou pela cabeça que ele não tenha esse direito. O que questiono é a falta de profundidade das informações. E, quando essas informações chegam por outros meios — como vídeos publicados por cidadãos ou veículos de imprensa que noticiam os fatos —, aí já não é o prefeito quem aparece nos vídeos.

Recordo novamente o vídeo em que dirige um dos novos ônibus da frota. Muito bom. Mas ele não mencionou que o sistema de integração havia sido encerrado. Muitos cidadãos descobriram isso somente no terminal. Alguns tinham dinheiro contado para apenas uma passagem e, imaginando que ainda poderiam embarcar em outro ônibus gratuitamente — como acontecia antes —, ficaram sem condições de seguir viagem. O prefeito também não explicou como será o funcionamento da gratuidade para idosos. Quando surgiram os questionamentos, ele não foi à público esclarecer. Inclusive, a Defensoria Pública solicitou providências para garantir a retomada da integração e da gratuidade. E o prefeito? Até o momento, nenhum vídeo com justificativas ou prazos foi publicado.

Em recente entrevista à Rádio O Diário, o prefeito declarou que “não há buracos na cidade”. Porém, em um vídeo gravado para mostrar o reparo no asfalto da rotatória entre a Rua 34, a Avenida João Baroni (que dá acesso ao Hospital Pio XII), a Avenida Brigadeiro Guedes Muniz e a Avenida Professor Roberto Frade Monte, a situação é outra. A poucos metros dali, no bairro Vila Marchi, moradores postaram vídeos mostrando as ruas cheias de buracos.

Outro ponto crítico envolve os professores da rede municipal. Apesar de o direito à progressão funcional ter sido reconhecido, o governo alega falta de recursos para cumprir o pagamento. Um acordo foi firmado para parcelamento. No entanto, na quinta-feira (10), em sessão extraordinária da Câmara Municipal, a maioria dos vereadores aprovou a criação de um novo cargo, cuja remuneração, segundo parlamentares independentes, pode ultrapassar R$ 11 mil. Parabéns aos vereadores Rodrigo Malaman (PP), Bodão da Construção (Podemos), Marcos Mariano (União), Danúbia Cristina (PSB) e Jonathas Lazzarotto (PSD), que votaram contra esse absurdo.

E a saúde pública? Sempre apresentada como excelente. Na surdina, sem alarde e muito menos vídeo do prefeito, foi publicado, na sexta-feira (11), um decreto de emergência — obrigatório — para viabilizar, sem licitação, ações urgentes na Santa Casa de Misericórdia de Barretos, que enfrenta lotação nos leitos de UTI Neonatal.

Houve, sim, uma explicação. Mas quem foi até lá? O prefeito? Não. Foram o vice-prefeito, Mussa Calil, e o secretário de Saúde, Ângelo Roberto Gonçalves. Mais uma vez, quando a situação exige justificativa, o prefeito não aparece. A impressão que fica é de que Odair adota uma política do tipo: “Eu sou instagramável, minha imagem não pode ser abalada. Você é ‘estragável’, vá lá, sua imagem não tem os predicados da minha.” É, claro, apenas uma sensação — posso estar enganado —, mas parece que as boas notícias são sempre reservadas ao prefeito, e as más, delegadas ao vice ou a algum secretário.

Com todo respeito, o bom político, em minha modesta opinião, é aquele que não teme enfrentar adversidades. É aquele que vem a público, esclarece, estabelece prazos, assume responsabilidades e aceita críticas sem levar para o lado pessoal. Foi esse o exemplo que aprendi com meu pai, vereador por três mandatos consecutivos em Miguelópolis (SP), quando eu ainda era adolescente. Ele não se escondia diante das críticas. Mas era meu pai. Não posso exigir que os políticos de hoje façam o mesmo. Respeito as decisões de cada um. Mas também tenho o direito de, com todo respeito, expressar minha opinião sempre que julgar oportuno.

Gosto de acompanhar os vídeos do senhor prefeito, mesmo os que considero forçados. Gostaria ainda mais se ele viesse a público explicar, com a mesma desenvoltura, os erros que eventualmente acontecem.

Não, este artigo não é sobre vídeos. É sobre postura. Sobre lealdade. E, na política, lealdade se constrói no dia a dia — sem “jogar os amigos aos leões”.

Túlio Guitarrari
Jornalista, técnico em contabilidade e filósofo.

Redação

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