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Odair assinou o próprio atestado — e agora precisa explicar

 Odair assinou o próprio atestado — e agora precisa explicar

No último fim de semana, Barretos assistiu a um daqueles momentos raros em política: quando o governante, no afã de parecer firme, acaba confessando justamente aquilo que jamais deveria admitir. Foi ao ar, nas redes do prefeito Odair Silva (Republicanos), um vídeo que já ultrapassa 62 mil visualizações e que, sem nenhum exagero, virou munição para adversários, para vereadores atentos e, principalmente, para qualquer cidadão que conhece o mínimo sobre gestão pública.

Porque, convenhamos: Odair assinou o próprio atestado. E não foi o médico da UPA que prescreveu isso — foi ele mesmo.

“A UPA não vai dar mais atestado” — e aí começa o problema

O vídeo começa com o prefeito:

“A UPA não vai dar mais atestado.”
E segue com uma aula… daquelas que ninguém pediu: médicos têm autonomia, gente não deve ir à UPA buscar atestado, a UPA é para urgência e emergência, etc, etc. A fala do médico, ao lado do prefeito, reitera o óbvio: atestado só quando necessário.

Tudo muito bonito. Tudo muito correto. Tudo muito manual de boas práticas da saúde básica.

Mas aí vem a bomba: ao dizer “não vai dar mais”, o prefeito confessou que até ontem dava sim. E, pior, que essa suposta irregularidade acontecia justamente na gestão dele, sob a atuação da Fundação Pio XII — a mesma mantenedora do Hospital de Amor, orgulho nacional.

Ou seja, Odair não apenas mirou no problema… como acertou em cheio na própria perna.

A autodenúncia involuntária

É preciso explicar isso com todas as letras, para o leitor leigo entender o tamanho da encrenca:

  • Se a UPA estava dando atestados indevidamente, era responsabilidade da gestão municipal.
  • Se a Fundação Pio XII conduzia um procedimento inadequado, cabia ao município fiscalizar.
  • Se a prática era comum, quem permitiu?
  • Quem se beneficiava? Quem fez vista grossa?

No vídeo, Odair tenta parecer o prefeito firme que “resolve”. Mas entrega ao povo justamente a imagem oposta: a de quem não sabia o que acontecia na própria rede de saúde — ou sabia e, só agora, decidiu dizer.

Em política, isso se chama erro estratégico nível avançado. O tipo de erro que consultor nenhum aprova, que assessor nenhum libera, que secretário nenhum sustenta.

E tem mais: quando o prefeito diz que “agora acabou”, a mensagem subliminar é uma só: antes era permitido.

Isso abre margem para tudo:

  • questionamento da Defensoria Pública
  • atuação do Ministério Público
  • requerimentos dos vereadores
  • e, sim, até CPI

O prefeito, num vídeo de poucos minutos, entregou uma tese jurídica completa para qualquer investigador minimamente interessado.

Quem assessora o prefeito?

Odair nomeou:

  • secretária de comunicação
  • secretário de Negócios Jurídicos (Evaristo Anania de Paula)
  • secretária da Procuradoria Geral (Cassiane de Melo Fernandes)

Tudo gente de confiança, tudo gente que, em tese, deveria impedir o prefeito de se expor a esse nível de risco.

Mas parece que Odair não ouve ninguém — ou está muito mal assessorado.

Porque, sinceramente, qual equipe de comunicação permitiria um vídeo em que o próprio gestor admite irregularidade?
Qual jurídico não avisaria do risco imediato de responsabilização administrativa?
Qual procuradoria não gritaria, pelo menos, um “prefeito, não faça isso!”?
O resultado é que Odair protagonizou um caso raro:
fez uma autodenúncia pública, espontânea e gravada.

A política em Barretos não está para amadores

E aqui entra o elemento que Odair parece esquecer:
a Câmara de Barretos está ativa — e vigilante.

Os vereadores deste mandato, goste-se deles ou não, têm mostrado serviço, têm investigado, têm apontado, têm cobrado. Eles não deixam passar. Não aliviam. Não ignoram.

E agora?
Com o prefeito oferecendo um prato cheio, vão deixar de morder?
Claro que não.

Para quem acompanha política com olhar de cientista político, este é o tipo de episódio que muda clima, altera humor e inaugura narrativas. Porque, a partir de agora, qualquer discussão sobre saúde pública na cidade vai carregar uma sombra: “se antes se dava atestado errado, o que mais acontecia lá dentro?”

É assim que crises nascem.
É assim que CPIs começam.
É assim que governos se desgastam.

A conta política chegou — e quem cobrou foi ele mesmo

O vídeo deveria reforçar a autoridade do prefeito.
Mas reforçou apenas sua vulnerabilidade.

Deveria educar a população.
Mas educou os adversários, que agora têm um arsenal pronto para uso.

Deveria mostrar firmeza.
Mas mostrou, para muitos, imprudência.

E tudo isso porque Odair, na ânsia de parecer direto, esqueceu a regra de ouro da política: quem governa não entrega munição — especialmente contra si mesmo.

No fim das contas, o que o prefeito disse não foi que a UPA “não vai mais dar atestado”.
O que ele disse foi:
“Eu não sabia, mas estava acontecendo.”

E isso, para um gestor, é o pior atestado de todos.

Odair assinou o atestado — e agora precisa sentar na cadeira e explicar

Mais do que um erro de comunicação, foi um erro político, jurídico e administrativo.

Um erro que enfraquece sua relação com a Fundação Pio XII e com Henrique Prata.

Um erro que fortalece a oposição.
E um erro que irrita a população, que vê um prefeito preocupado com “vídeo de recado”, mas pouco cuidadoso com as implicações das próprias palavras.

A UPA segue aberta, os médicos seguem trabalhando, o povo segue buscando atendimento.

Mas Odair — esse sim — vai ter que buscar um pouco mais de orientação antes de apertar “publicar” no próximo vídeo.

Porque, dessa vez, não foi preciso ninguém denunciar o prefeito.
Ele mesmo fez o serviço.

E, como sabemos, em política…
não existe erro sem consequência.

Redação

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