Vôlei feminino de Barretos vence nas três categorias da 8ª Copa Colina
Quando a boa intenção atropela a legalidade: o caso das cestas básicas pelo Papanicolau em Barretos


Há momentos em que o populismo municipal veste a fantasia de boa ação. O caso recente de Barretos é um desses exemplos cristalinos: mulheres que fizerem o exame preventivo Papanicolau neste mês concorrem a 36 cestas básicas. À primeira vista, parece uma campanha bonita, solidária, até comovente. Mas, por trás do discurso cor-de-rosa, há um grave problema de ética pública — e de legalidade.
O Estado brasileiro tem leis muito claras sobre a utilização de bens públicos e benefícios sociais com finalidade promocional. A Lei nº 14.133/2021, que rege as contratações públicas, e a Lei nº 9.504/1997, que regula condutas de agentes públicos em períodos eleitorais, partem do mesmo princípio: o poder público não pode usar recursos, bens ou vantagens para coagir, induzir ou “premiar” o cidadão em troca de uma ação específica. Isso vale tanto para votos quanto para exames médicos.
Quando uma prefeitura decide que quem fizer um exame de prevenção ao câncer concorrerá a uma cesta básica, está, na prática, criando uma espécie de loteria social. A mensagem subliminar é: “só quem participar da nossa ação tem chance de ganhar”. Isso fere frontalmente o princípio da impessoalidade, previsto no artigo 37 da Constituição Federal, que obriga o poder público a tratar todos os cidadãos de forma igual, sem favorecimentos ou distinções.
Além disso, o artigo 11 da Lei de Improbidade Administrativa (Lei nº 8.429/1992) considera ato de improbidade “qualquer ação que viole os princípios da administração pública”. Sortear cestas básicas — um bem de natureza assistencial — para induzir mulheres a participar de um programa de saúde é exatamente isso: um desvio de finalidade. O que deveria ser uma política de saúde pública se transforma num mecanismo de marketing governamental.
Vamos imaginar o absurdo em outro contexto: se a prefeitura resolvesse sortear gás de cozinha para quem tomasse vacina? Ou rifar vale-alimentação para quem levasse o filho à escola? O problema não é a intenção — é o método. A Constituição não admite que direitos fundamentais, como saúde e alimentação, virem ferramenta de estímulo ou barganha.
A promoção da saúde da mulher é uma obrigação contínua do Estado, não uma ação sazonal, condicionada à promessa de prêmios. A estratégia correta seria investir em campanhas educativas, ampliar horários de atendimento, garantir acolhimento humanizado e criar indicadores públicos de desempenho. É assim que se aumenta a adesão ao exame Papanicolau — não com sorteio de mantimentos.
Barretos, que já é reconhecida nacionalmente por instituições sérias como o Hospital de Amor, deveria ser referência ética também nas práticas públicas. É triste ver o município trilhar o caminho do espetáculo político em temas tão sensíveis. O Outubro Rosa deveria iluminar consciências, não apagar os limites da legalidade.
No fundo, essa ação revela um padrão mais amplo de gestão: o de governar pela aparência, não pela substância. Quando políticas públicas se transformam em promoções de supermercado, quem perde é a cidadania. E o câncer, que deveria ser combatido com prevenção e seriedade, acaba sendo tratado como bilhete premiado.

