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Justiça à moda antiga: o coqueiro disciplinador e o visionário Raphael Brandão

 Justiça à moda antiga: o coqueiro disciplinador e o visionário Raphael Brandão

Raphael da Silva Brandão chegou a Barretos ainda jovem, com 18 anos e uma mala cheia de sonhos — e de mercadorias, claro. Era mascate, desses que não tinham armazém nem balcão, mas sabiam o nome de cada morador e o tamanho exato do sapato da dona Maria. Mineiro de nascimento, mascateava pelo Triângulo Mineiro, mas como o lucro era tímido e os fregueses mais ainda, resolveu atravessar o Rio Grande em busca de horizontes mais promissores. E foi assim que, por volta de 1880, Barretos entrou em sua rota — e no seu coração.

Ao percorrer as terras de José Vicente Machado, tentando vender alguma ferramenta ou um par de calçados, Brandão cruzou com o coronel Almeida Pinto. A venda pode até não ter saído, mas dali nasceu uma grande amizade. E com ela, vieram as portas abertas da sociedade barretense, que ele passou a frequentar com desenvoltura e elegância — como quem já nasceu para ser figura pública.

Fez boas vendas, animou-se com o movimento, mas o que não esperava era encontrar, em pleno centro da cidade, um método punitivo digno de uma comédia involuntária: o famoso coqueiro da justiça.

Sim, caro leitor, antes de celas, grades ou qualquer estrutura minimamente parecida com uma prisão, Barretos contava com um tronco de coqueiro como solução para manter a ordem. Desordeiro aprontou? Criminoso deu trabalho? Lá ia o sujeito, amarrado ao coqueiro, exposto ao sol, ao vento e, claro, ao julgamento silencioso (ou nem tanto) da população. O coqueiro era a prisão oficial da cidade — uma espécie de “cadeia paisagística”, onde a punição vinha com sombra parcial e humilhação total.

Brandão, homem de fino trato e já calejado pelas andanças entre Minas e São Paulo, ficou estarrecido. Para ele, aquilo era mais aviltante que o próprio delito. Afinal, quem precisa de tribunal quando se tem uma palmeira punitiva no centro da cidade?

Mas ele não ficou só na indignação — arregaçou as mangas e entrou para a história. Em 1890, graças à sua articulação política, Barretos conquistou sua própria Comarca, deixando de depender juridicamente de outras cidades. Um marco de autonomia e respeito institucional que elevou o status da cidade e garantiu mais justiça — agora feita por juízes, não por coqueiros.

A instalação da Comarca, aliás, foi um episódio digno de nota — e de risos. O juiz nomeado, dr. Leopoldino Martins Meira de Andrade, chegou a Barretos com a missão de inaugurar oficialmente a justiça local. A cerimônia aconteceu, é verdade, mas envolta em certo improviso. Historiadores antigos narram que, o Juiz instalou a Comarca e foi para Araraquara, quando foi procurado por Joaquim Soares de Sá — interessado em adquirir o 2º Cartório — teria dito que “Barretos era bom apenas para pastos” e que só voltaria à cidade caso fosse boi. E cumpriu a palavra: nunca mais voltou. A justiça foi instalada, sim, mas o juiz evaporou — abandonando uma Comarca recém-criada e uma história que parece saída de um romance cômico do interior.  Narrativa fictícia, não sei, jornais da época revelam que o magistrado apresentou reiterados pedidos de licença para tratamento de saúde.

Em 1891, foi eleito o primeiro intendente municipal de Barretos, assumindo a chefia do executivo com a responsabilidade de tirar a cidade da sombra do coqueiro e colocá-la sob a luz da ordem institucional. Seu mandato, de 1892 a 1894, foi marcado por avanços administrativos e pela busca por estruturas mais dignas para a população.

Brandão também foi um dos fundadores da Loja Maçônica Fraternidade Paulista, espaço onde se reuniam os homens que sonhavam com uma Barretos mais justa, educada e moderna. Ali, entre rituais, discussões filosóficas e cafezinhos estratégicos, ele ajudou a moldar os rumos da cidade.

Como Coronel da Guarda Nacional, Brandão também representava a força e a autoridade. Mas sua liderança era mais civil do que militar.

Entre suas amizades mais influentes, destaca-se Almeida Pinto, o primeiro amigo na cidade, a pessoa que o apresentou à sociedade e com quem compartilhava ideias, estratégias e sonhos para Barretos.

E como se tudo isso não bastasse, Brandão ainda encontrava tempo para o teatro. Em 1900, participou ativamente da estreia da Sociedade Instrução e Recreio, atuando juntamente com outros atores amadores na peça teatral “Modelo Vivo”. Brandão representou a personagem de um velho banqueiro, o sedutor senhor Vannoy, entoando o chavão “Oh! As mulheres! As Mulheres!”, arrancou aplausos do público e elogios da imprensa local, sendo considerado bem qualificado na arte. Um verdadeiro galã da dramaturgia republicana.

Também era muito amigo do Pe. Valente, tendo participado de diversas campanhas em benefício da construção da catedral do Divino Espírito Santo. Um homem que transitava com naturalidade entre o palco e a praça, entre o drama e a diplomacia, entre o altar e a ata.

E como legado que atravessa gerações, Raphael Brandão é hoje patrono de uma escola estadual em Barretos. Um reconhecimento merecido para quem acreditava na educação como ferramenta de transformação — e que, com certeza, preferia ver crianças em sala de aula do que cidadãos amarrados a coqueiros.

Raphael Brandão é lembrado não apenas por seus títulos, mas por sua coragem de enfrentar o atraso com ideias, por sua indignação diante da injustiça e por sua capacidade de transformar uma cidade — começando pela raiz, ou melhor, pelo tronco de um coqueiro.

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