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Rua 40: quando a obra promete enxurrada zero e entrega “faltou tempo”

 Rua 40: quando a obra promete enxurrada zero e entrega “faltou tempo”

Barretos vive, há décadas, o dilema das águas. Todo prefeito promete domar a chuva, toda enxurrada cobra a fatura. E a Rua 40 virou o símbolo perfeito dessa novela: se houve implantação de aduelas para captar a água e, mesmo assim, a enxurrada desceu por cima da rua, a obra não funcionou. Ponto. Não é opinião; é observação empírica. A água não mente.

O fato bruto, sem maquiagem

Temos um histórico claro: em 06/01/2022, tragédia; ao longo de 2022–2024, promessas, anúncios, recomeços, “macroplano” e muita retroescavadeira; em 02/11/2025, um temporal de minutos, asfalto arrancado na Rua 40, moradores ilhados, comércio paralisado. No dia seguinte, a explicação oficial: “faltou tempo”, “a base estava pronta”, “as laterais não tinham cobertura”, “esperávamos 35 mm, vieram 100+ mm”. Tradução didática: o sistema projetado para captar água não estava pronto para captar água quando choveu.

Em gestões públicas sérias, não se abre frente de obra de drenagem num talude com forte declividade sem garantir três coisas básicas:

(1) sistema provisório de captação eficaz durante a obra;

(2) acabamento de contenção e sarjetas funcionando antes da chuva;

(3) plano de contingência com gatilhos meteorológicos — se o radar cravou risco alto, para tudo e protege. Isso é manual.

“Macroplano” bonito, realidade ingrata

A Prefeitura tem razão num ponto: Barretos foi mal urbanizada por décadas, impermeabilizou-se, canalizou córrego e fingiu que era parque. Só que isso não dá salvo-conduto para obra mal faseada. Drenagem urbana é assim:

  • capacidade hidráulica (dimensão das aduelas),
  • captação superficial (sarjetas, bocas de lobo, grelhas, dissipadores),
  • conexão (tudo ligado e testado),
  • acompanhamento de obra sob chuva (bacias de detenção provisórias, taludes protegidos, barreiras de sedimento).

Se a água passou por cima, ou a seção de escoamento superficial estava subdimensionada, ou não havia conexão provisória das aduelas, ou a obra ficou aberta sem defesa. Em qualquer cenário, o resultado é o mesmo: falha de engenharia aplicada ou de planejamento executivo.

“Mas choveu muito!”

Choveu, sim. Chove sempre. E vai chover mais. Obras de drenagem não se projetam para a tarde de céu azul; projetam-se para eventos críticos. A régua é a tal “período de retorno” (T=10, 25, 50 anos…). Se a cidade tem histórico de 80–120 mm/h em pancadões, dimensione e opere para isso. Se o caixa não aguenta T=50 hoje, então faseie com segurança: faça bacias de detenção provisórias, gabiões e dissipadores; entregue trechos fechados e conectados, não “meio prontos” em área de forte declive.

Obra de drenagem não aceita “quase”. “Quase” é o nome técnico do estrago.

Rua 40 é diagnóstico, não exceção

A Rua 40 tem declividade acentuada e está ligada à Região dos Lagos. É ponto crítico. Desde 2022, a gestão vendeu a ideia do “macroplano”: aduelas maiores, rebaixamento de lençol, desassoreamento, novas caixas, fiscalização contratada. Ótimo no PowerPoint. Na prática, vimos: trecho com base exposta, sarjeta por fazer, ligação não operante, cobertura provisória que não resiste a 100 mm em meia hora. Isso é obra aquém da realidade do local.

O que um governo que aprende faz agora

Sem papo furado, cinco medidas imediatas e mensuráveis:

  1. Auditoria técnica independente (30 dias): Verificação de cálculo (hidrologia e hidráulica), checagem de período de retorno adotado, seção útil, cotas, e plano de fases. Relatório público.
  2. Plano Executivo de Contingência de Obra Protocolo de chuva: quando o radar indicar risco alto, interrompe-se frentes críticas, liga-se by-pass provisório de captação, protege-se taludes, instala-se barreiras de sedimento. Publicar o check-list.
  3. Entrega por “módulos estanques”: Nada de vias com base aberta em encosta. Cada módulo só avança quando sarjeta, guias, bocas de lobo e ligação às aduelas estiverem operacionais e testadas com água (simulação de vazão).
  4. Monitoramento ao vivo e transparência de dados: Site com pluviômetros em tempo real, fotos de obra diárias, cronograma, marcos e responsáveis. Se a meta escorregar, explica-se por escrito e ajusta-se custo/escopo/prazo.
  5. Seguro de desempenho + penalidades contratuais: Obra de risco sem performance bond e SLA de recomposição vira novela. Falhou? Recompõe em X dias úteis, sob pena de multa. Acabou a era do “faltou tempo”.

Política, sim — mas com régua e compasso

A prefeita passada disse “vamos minimizar”; o prefeito atual herdou, ampliou e promete “resolver”. O eleitor não quer mantra; quer métrica. A régua é simples: choveu muito, a rua segurou? Se sim, palmas. Se não, corrige-se projeto, fase e operação. Dizer “evitamos estragos maiores” quando o asfalto foi embora virou deboche involuntário. A comunicação oficial precisa sair da autoelogio para a prestação de contas técnica.

Barretos precisa de menos “story”

A Rua 40 ensinou de novo: a água sempre vence o improviso. Se as aduelas estão lá, mas a água subiu por cima, não foi a natureza que falhou; foi a engenharia aplicada ou a gestão da obra. “Faltou tempo” é uma frase honesta — e justamente por isso exige ação imediata: rever cálculo, replanejar fases, blindar encostas, ligar o sistema antes do acabamento e publicar tudo.

Quer credibilidade? Entregue um próximo temporal sem espetáculo. Nada viraliza mais que enchente zero. E, cá entre nós, Barretos não aguenta mais editoriais sobre água levando rua. Queremos escrever o editorial sobre obra que ficou e funcionou. A cidade merece.

Redação

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