50 anos da Revolução dos Cravos: Livro investiga ditador que conduziu regime tão autoritário quanto os de Hitler, Franco e Mussolini

 50 anos da Revolução dos Cravos: Livro investiga ditador que conduziu regime tão autoritário quanto os de Hitler, Franco e Mussolini

Todo ano chegam às prateleiras das livrarias brasileiras dezenas de obras sobre os regimes autoritários que mudaram a história do século 20. Afinal, é preciso lembrar para que o horror não se repita, e por isso pesquisadores e jornalistas se debruçam sobre o nazismo de Hitler, o fascismo de Mussolini e o franquismo. No entanto, a despeito da forte relação histórica e cultural entre o Brasil e seu antigo colonizador, ainda são poucos os livros publicados no país sobre a mais duradoura – e também a mais discreta – das ditaduras europeias, o Estado Novo português (1926-74).

Essa lacuna começa a ser preenchida com a primeira publicação no país de um dos principais especialistas no autocrata luso, o historiador Fernando Rosas, que escancarou para a população portuguesa os horrores da ditadura e do colonialismo.

Aguardado por estudantes, jornalistas e historiadores do fascismo, o livro concentra três décadas de estudos do professor da Universidade NOVA de Lisboa. Com seus livros, artigos na imprensa e intervenções na televisão, Rosas firmou-se como uma das principais vozes no debate público português sobre o pesado legado do salazarismo para o país. Portugal começou a contagem regressiva para as comemorações dos 50 anos da Revolução dos Cravos, em 25 de abril de 2024.

Morto em 1970, em decorrência da queda de uma cadeira que o tornou inválido em 1968, Salazar ainda é uma figura popular na memória portuguesa e inspira líderes autocráticos nos dias de hoje. Ao receber o coração de d. Pedro I por ocasião da celebração dos 200 anos de Independência, em 2022, o então presidente Jair Bolsonaro evocou o lema cunhado pelo ditador português: “Deus, Pátria e família”.

Mas de onde vêm os fascismos, e quais regimes podem ser corretamente qualificados como fascistas? Estas são as respostas que Rosas pretende responder, com clareza e rigor, em Salazar e os fascismos – Ensaio breve de história comparada, de Fernando Rosas, lançado em outubro pela Tinta-da-China Brasil. Premiado pela Academia Portuguesa da História/prêmio Fundação Calouste Gulbenkian, Salazar e os fascismos consolida anos de pesquisa de Rosas, debruçando-se sobre a emergência e o estabelecimento dos governos de Adolf Hitler, Francisco Franco e Benito Mussolini durante o entreguerras.

Da comparação entre as diversas experiências europeias, Rosas extrai os elementos que permitem caracterizar um regime como fascista. Alguns exemplos desses traços são o mito de um “renascimento das cinzas”, associado a uma ideia mítica de raça ou ser nacional; a propaganda sustentada por ações no campo econômico e social, respondendo a crises do liberalismo. Violência, imperialismo e carisma por parte da autoridade são alguns dos elementos que podem caracterizar governos como fascistas.

Rosas demonstra que Salazar, ainda que discreto, foi o maior exemplo de um “fascismo conservador”. A arte suprema de Salazar a partir de 1928, diz o historiador, foi “saber durar”. Este é o tema de um outro ensaio de Rosas sobre o salazarismo, Salazar o poder: a arte de saber durar, a ser publicado em breve pela Tinta-da-China Brasil, no qual o historiador examina como o ditador viabilizou um governo tão longo.

António de Oliveira Salazar conduziu uma ditadura nacionalista e corporativista, antidemocrática, de partido único, apoiada em forças do sistema econômico, na fidelidade do Exército e da elite burocrática e na ação repressiva das polícias, com a bênção da Igreja Católica. Rosas sublinha a importância dos processos imperialistas e colonialistas. Ele demonstra que não é possível explicar o fenômeno da violência fascista no século 20 fora do contexto da violência ilimitada utilizada pelos colonizadores europeus contra os povos colonizados da África e da Ásia.

As guerras coloniais movidas pelo ditador em Angola, Moçambique e outros territórios colonizados por Portugal ajudaram a selar o fim do salazarismo e do Império de Portugal, que o ditador afirmava “não ser um país pequeno”. Uma das imagens reproduzidas no livro mostra a propaganda que o regime produzia: selos postais com mapas da Europa e dos Estados Unidos sobrepostos aos de Portugal, Angola, Moçambique e outras colônias, com os dizeres “Portugal is not a small country”.

Quem assina o texto da orelha do livro é Lira Neto, autor da celebrada trilogia sobre Getúlio Vargas e de biografias de outras importantes figuras da cultura nacional. “’Fascista’ virou palavrão ideológico, para enxovalhar aquele com quem não concordamos? Faz sentido dizer que assistimos ao ressurgimento de novo tipo de fascismo? […] Fernando Rosas, um dos principais historiadores portugueses contemporâneos, ajuda-nos a avançar na direção de possíveis respostas”, escreve Lira Neto.

A publicação de Salazar e os fascismos tem apoio do DGLab – Direção-Geral do Livro, dos Arquivos e das Bibliotecas do Governo de Portugal.

Antifascismo e História
Salazar e os fascismos vem se somar a outros títulos de diferentes gêneros literários da Tinta-da-China Brasil que mantêm aceso o debate sobre o fascismo, uma das questões políticas mais importantes da atualidade. A editora publicou uma coletânea de textos políticos de Fernando Pessoa, reunidos por José Barreto em Sobre o fascismo, a ditadura portuguesa e Salazar, os diários da prisão do rapper angolano Luaty Beirão (Sou mais eu aqui então), as reportagens de Racismo em português, de Joana Gorjão Henriques, sobre o colonialismo luso na África, e a reunião de colunas Diante do fascismo, do jornalista Paulo Roberto Pires, sobre a ascensão da extrema direita no Brasil. Em O caminho da autocracia: Estratégias atuais de erosão democrática, os pesquisadores do Centro de Análise do Autoritarismo e da LIberdade — LAUT Adriane Sanctis, Conrado Hübner Mendes, Fernando Romani Sales, Mariana Celano de Souza Amaral e Marina Slhessarenko Barreto fazem um estudo comparativo sobre os regimes autocráticos no Brasil, na Turquia, na Índia, na Polônia e na Hungria.

Com o objetivo de atualizar a bibliografia brasileira sobre história de Portugal, a editora ainda vai publicar nos próximos meses outros ensaios e estudos de uma geração de autores ainda pouco publicados no Brasil: Morte e ficção do rei dom Sebastião, de André Belo, Assim nasceu uma língua, de Fernando Venâncio, e Agora, agora e mais agora, de Rui Tavares.

Redação

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