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Silêncio na sinfonia: Orquestra de Barretos enfrenta crise que pode levar ao desmonte

 Silêncio na sinfonia: Orquestra de Barretos enfrenta crise que pode levar ao desmonte

Maestro denuncia mudanças arbitrárias na carga horária dos músicos e alerta: “A cidade pode perder seu maior patrimônio cultural.”

A Orquestra Sinfônica Municipal de Barretos, por 28 anos sinônimo de excelência musical e orgulho local, vive hoje o momento mais delicado de sua história. Sob forte emoção, o concertino Lucas Vinicius foi às lágrimas durante a apresentação de estreia da temporada 2025, no Cine Teatro Barretos, ao anunciar a exoneração de um dos músicos por causa das novas diretrizes impostas pela prefeitura.

A denúncia: jornada presencial imposta e falta de estrutura

“A prefeitura exige 20 horas presenciais semanais, mas sequer oferece salas de estudo individual”, denuncia uma fonte ouvida pela reportagem, que preferiu manter o anonimato. Segundo ela, os músicos sempre cumpriram suas obrigações por meio de ensaios regulares às quintas e sextas, além das apresentações. O restante da carga horária era completado com estudos teóricos e práticos em casa, como é praxe em orquestras profissionais.

A mudança repentina, conforme relata o concertino em carta aberta, foi imposta “sem diálogo, sem estrutura e sem aumento de remuneração”, tornando a carga “incompatível com a prática orquestral” e gerando desânimo, afastamentos e até problemas de saúde mental entre os músicos.

O que diz a Lei?

A Lei Complementar nº 68, de 2006, que rege os servidores públicos municipais, de fato determina o cumprimento de carga horária semanal de até 40 horas, com variações de 6 a 8 horas diárias. No entanto, ela também prevê que jornadas diferentes podem ser aplicadas para categorias com regulamentação específica — o que se aplica aos músicos da Orquestra, segundo especialistas consultados.

A interpretação da atual administração é diferente. Em nota oficial, a prefeitura afirma que está apenas exigindo o cumprimento “rigoroso” da carga prevista em lei, corrigindo práticas que “divergiam do texto legal”. Porém, a prática anterior — reconhecida inclusive por gestões anteriores — levava em conta as particularidades do ofício artístico.

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Reação política: vereadores e ex-prefeita pedem flexibilização

O caso chegou à Câmara Municipal. Em requerimento apresentado na segunda-feira (24), os vereadores Jonathas Lazzarotto, Itamar Alves e Raphael Silvério, ambos do PSD, pedem ao prefeito Odair Silva (REP) que envie um projeto de lei propondo a flexibilização da jornada dos músicos: 8 horas de estudo individual (fora da sede), 8 horas presenciais e 16 horas destinadas às apresentações, que geralmente ocorrem aos finais de semana.

Em entrevista à Rádio Jornal no dia 22 de março, a ex-prefeita Paula Lemos (PSD) reforçou a importância da orquestra e defendeu a proposta dos vereadores. “Eles têm que estudar, são músicos altamente qualificados, usam instrumentos próprios e trabalham inclusive aos sábados e domingos”, disse.

“Estamos sendo desmontados aos poucos”

Em seu discurso emocionado, o concertino Lucas Vinicius fez um apelo dramático: “A atual administração alterou nossa forma de trabalho sem aviso, sem estrutura e sem qualquer contrapartida.”.

O maestro ainda destacou que músicos vêm sendo tratados com desigualdade. “Enquanto motoristas e guardas usam equipamentos pagos pela prefeitura, os músicos compram seus instrumentos que são mais caros que os veículos deles, além das roupas de apresentação com recursos próprios.” – questionou.

Apresentações impactadas e risco real de esvaziamento

A crise já traz efeitos práticos. Para a apresentação desta sexta-feira (28), o maestro precisou contratar um músico por cachê, após exoneração de um integrante. Outros profissionais estariam cogitando pedidos de licença e desligamento, o que ameaça a continuidade do grupo.

A orquestra, que se apresentou mais de 100 vezes nos últimos quatro anos, incluindo na abertura da Festa do Peão, agora corre o risco de ver sua temporada 2025 comprometida.

Prefeitura responde: “Não é bico”

A Prefeitura de Barretos, por meio de nota oficial, defendeu a medida. De acordo com o Executivo, a administração apenas passou a cumprir rigorosamente o que determina a Lei Complementar nº 68/2006, alegando que as práticas anteriores “divergiam da legislação”.

O prefeito Odair Silva (REP) destacou que a orquestra é um patrimônio da cidade, mas frisou que o vínculo com o município “não pode ser confundido com um trabalho eventual, ou ‘bico’”.

O que está em jogo

Mais do que a carga horária ou uma disputa administrativa, o que está em jogo é a sobrevivência de um patrimônio cultural reconhecido por nomes como o maestro João Carlos Martins. A ausência de uma regulamentação específica para o regime dos músicos deixa brechas que, agora, vêm sendo usadas para pressionar o grupo.

Enquanto isso, cresce o temor de que o som das cordas e sopros que ecoou por quase três décadas em Barretos se cale — não por falta de talento, mas por ausência de compreensão e diálogo.

E agora?

Os músicos prometem acionar o Ministério Público e intensificar o diálogo com a sociedade. “Precisamos de Barretos. E Barretos precisa de nós”, conclui a carta da orquestra. O desfecho ainda é incerto — mas o som do protesto já ecoa mais alto que qualquer sinfonia.

Igor Sorente

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