A exploração sexual fez história em Barretos

 A exploração sexual fez história em Barretos
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Uma realidade inquietante se espalhou pela cidade desde o início do século passado. No período do eldorado barretense, com a chamada “febre do gado”, o município abrigou uma instituição rentável de exploração sexual. A zona do meretrício era uma atração turística em Barretos. Os prostíbulos, conhecidos por lupanares ou travestidos em “pensões”, eram frequentados por gente de toda espécie. Os ricos e os chamados “pés-rapados” faziam parte da clientela. O afamado “antro da perdição” movia o comércio.

Sob a bandeira da moral e dos bons costumes, em 1910, munícipes pediram providências ao delegado de polícia para a “malta de vagabundos e mulheres de vida airada” que todas as noites se reuniam na Estação Ferroviária. Para os queixosos, a turma tinha um comportamento inconveniente.

Osório Rocha, no livro “Barretos de Outrora”, conta que em 1918, Mario Barbosa, funda um cassino na rua 20, no prédio onde depois funcionou a União Síria. Segundo o historiador, “as senhoras barretenses se alarmam e protestam, com razão, pois ali impera o vício: bebida, jogo, vadiagem, mulheres”. O valentão Filogônio de Carvalho, que domina a cidade em 1925, é um dos frequentadores e, de revólver à cinta, toma com as artistas lições de tango argentino.

Em 1919, a Câmara Municipal foi “honrada” com a vizinhança de um bordel. O fato provocou a indignação de muitos moradores.


As divisões

A zona do meretrício dos tempos áureos era dividida em duas classes. A elite esparramava-se pela cidade a partir do antigo “Bar do Costa”, na esquina da Rua 20 com Avenida 15. O baixo meretrício situava-se lá no “Outro Mundo”, como se chamava o bairro Fortaleza, nas imediações das avenidas 1, 3 e 5 e ruas 22 e 24. Ali se instalava o famoso Bico do Pavão.

No livro “Espiral – História do Desenvolvimento Cultural de Barretos”, Ruy Menezes conta que “pouca gente que se prezava tinha coragem e disposição para passar ali, mesmo durante o dia. Zona conflagrada por excelência, mulheres de nula categoria, peões embriagados, dando tiros para o ar no meio da rua e enchendo os botequins onde a cachaça era sorvida à larga”.

As “casas de tolerância” de primeira classe eram frequentadas por fazendeiros, milionários, políticos, comissários de grandes boiadas e personagens da sociedade de Barretos, região e outros Estados. Em algumas residências e cabarés, a discriminação predominava. Não eram permitidas pessoas negras, mulatas, cabelo carrapicho e pobres. Os porteiros mandavam a “gente de segunda categoria” frequentar o “Bico do Pavão”.

O jornalista Ruy Menezes relata que na zona do meretrício havia mulheres de todos os tipos. Eram paraguaias, morenas de Araguari ou de Uberaba, francesas…  Todas bem vestidas, com exagerados decotes, cobertas de joias. Nos finais de tarde, as prostitutas desfilavam pelas ruas centrais da cidade. Pareciam mercadorias de luxo expostas em “vitrines” movediças. Elas frequentavam a primeira sessão do cinema que começava às 19h30. As mais ricas ocupavam lugar de maior projeção e destaque na sala, chamados “frisas”. As demais, misturavam-se ao povo na plateia. Depois do filme, aconteciam as noitadas nos cabarés.

Cavalheiros e coronéis, assíduos nos prostíbulos, subiam nas mesas e atiravam notas de 500 mil réis – denominadas ‘caolhas” – para as “mariposas”. Alguns faziam cigarros com o dinheiro, colocavam fogo e fumavam, numa demonstração de poderio econômico. Com isso incentivavam as mulheres para a orgia. Algumas donas de casa e prostitutas, ludibriavam os fregueses, aumentando a conta enquanto dos “trouxas” que estavam distraídos na farra.


Os cabarés

Naqueles tempos, havia alguns cabarés conhecidos. Às vezes, “verdadeiras espeluncas em que a sanfona animava as danças em meio as pancadarias, às facadas e ao tiroteio”, registra Ruy Menezes. “Um ficou famoso ao seu tempo: o ‘Pedro Isca’, autêntico símbolo da desordem. Outro era o ‘Torrador’, que se situava à rua 22, na esquina com avenida 3, perto dos trilhos da estrada de ferro, onde antes havia uma torrefação de café. E havia ainda mais outros, como o ‘Paineira’, assim designado por uma paineira que crescia em suas imediações. Cada qual mais turbulento e agitado que o outro”.

Segundo Ruy Menezes, o Bico do Pavão hoje já não mais existe, graças à ação enérgica do subdelegado Jorge Abdala Thomé, que acabou espantando de lá as meretrizes. A autoridade policial fechou os botequins e cabarés. A partir de 1946, quando a zona do meretrício foi transferida para as ruas 26, 28 e 30 e avenidas 17 e 15, o Dancyng “A Garota”, foi apelidado “Puxa Faca”. A casa recebeu tal adjetivo em virtude das constantes confusões e mortes. Alguns exagerados da época, garantem que quando não ocorria duas ou três mortes por noite, era “café fraco”.

Aqueles que dispunham de muito dinheiro, frequentavam cabarés luxuosos. O mais famoso foi o “Cabaré Maringá”, na rua 20, avenidas 15 e 17. Posteriormente, foi substituído pelo “Dancyng Avenida”, também “Cantina do Nagib”, na esquina da rua 26 com avenida 15. Os shows eram deslumbrantes. Os estabelecimentos promotores ostentavam luxo. Artistas internacionais e companhias de balé proporcionavam espetáculos com frequência. Durante muito tempo, o “Cassino Tropical” e  “Cassino OK” funcionaram no prédio que abrigou a Estrela D’Oriente e onde está instalado o Escritório Boro Contabilidade, na avenida 17, entre as ruas 26 e 28.


Os nomes sociais

Os apelidos e nomes de guerra das prostitutas, cortesãs e marafonas sempre foram interessantes. Muitos conheceram Iolanda Ban Ban, Papuda e Topetuda, Ana Toco Rolô, Decaída Nena, Sebastiana Pé de Meia, Luiza Cabeça de Pano, Iolanda do Catigiró, Constantina Bangue-Bangue, Cecília Gibória, Cósquinha, Geralda Galo Cego, Bordelina, Chica e Luzia Pemba, Rainha do Tabaco, Tereza Mula Manca, Cida Carabina, Furupa, Bizaca, Maria Mole, Neuzirê, Sebastiana Pé de Molambo, Maria do Arroz, Izolina Cachambuda, Lídia Pé de Cachorro, Negra do Quifafá, Odete Pé de Bicho, Vitórias das Jóias, Madame Vanda, Madame Dulce, Conga, Bola Sete, Chiquinha Vitróla, Baleira, Chibiu, Meire Turca, Pinta Roxa, Balalaiquinha, Geralda Topete, Rosinha do Campim, Negrinha Boiadeira e Almerita (também chamada de “Greta Garbo” barretense).

Uma das mais famosas donas de casa de prostituição foi Rosinha da Porteira. Ela adquiriu o apelido ainda jovem, quando abria a porteira em uma fazenda do governo em Sertãozinho. Recebia em troca moedas de 200 e 400 réis. Veio para Barretos. Desembarcou na Estação Ferroviária da Paulista com a importância de 17 mil réis. Trabalhou para a anfitriã Barretinha, filha de Katuta. Economizou dinheiro e, em 1939, comprou o prostíbulo em que se hospedava.  Tornou-se com o tempo, uma das senhoras mais ricas da cidade.

A 2 de maio de 1947, Rosinha da Porteira adquiriu a “Pensão Chic” na esquina da avenida 17 com a rua 26. Depois de algum tempo, ela passou a residir na rua 28, avenidas 15 e 17. Posteriormente mudou-se para Ribeirão Preto, onde, idosa, doente e debilitada, faleceu.


Beni, o mito sexual

Um dos mais famosos homossexuais de Barretos nos anos de 1940 a 1960, Benedito Carlos Piacentini, o Beni. Ele é autor do livro: “Beni, o Mito Sexual de Uma Época”, em que conta a sua história. De fino trato, com invejável memória, também publicou “A Casa Verde da Beira da Linha – Onde a AIDS Não Tinha Vez”. Na publicação ele conta episódios que teriam acontecidos em uma residência na Rua Fábio Junqueira Franco, no Bairro Exposição, entre os anos 1958 e 1968. O livro também expõe um pouco da história do “Bico do Pavão” e da “Rosinha da Porteira”.

Beni chamou a atenção dos barretenses a partir do Carnaval de 1947, quando desfilou com fantasias femininas. Muitos caipirões pensavam inclusive que fosse mulher, em virtude de seus modos, trejeitos e beleza. Durante muito tempo trabalhou no comércio da cidade. Antes de frequentar a zona do meretrício e montar sua própria casa, era “figurinha fácil” no “rendez voux” do idoso alcoviteiro Acácio, que também vivia do curandeirismo e cartomancia. O garçom Diquinho e Ewelyn Rafael da Silva foram seus grandes companheiros. Beni também foi atração da Escola de Samba Unidos da Vila Marília no carnaval barretense. Ele faleceu em Jaboticabal, onde fixou residência.

Novos tempos

No final de 1960, na gestão do prefeito Christiano Carvalho, a zona do meretrício foi transferida para o bairro Alvorada. Mas, com o passar do tempo, as chamadas “casas de família” invadiram a área, expulsando as profissionais do sexo. Vieram as famosas “chacrinhas” e motéis. “As mulheres da vida” viraram garotas de programa. A época é outra…

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Aquino José

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