O discurso de Paula Lemos: emoções e omissões
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Durante seu discurso de despedida em 1º de janeiro de 2025, Paula Lemos adota um tom solene, mas informal, agradecendo colaboradores, familiares e cidadãos. A palavra “gratidão” é sua escolha central, e o foco no sentimento de superação ecoa sua narrativa de uma administração resiliente diante de adversidades. Contudo, ao examinar mais de perto suas palavras, encontramos omissões importantes e até mesmo uma distorção histórica curiosa.
A história da 13ª Região Administrativa
Um dos trechos mais polêmicos do discurso é o reconhecimento de João Monteiro de Barros Filho como peça-chave para Barretos tornar-se sede da 13ª Região Administrativa. Essa afirmação contrasta com registros oficiais e a memória coletiva da cidade. O Decreto nº 20.530, de 10 de fevereiro de 1983, assinado pelo então governador José Maria Marin, não menciona João Monteiro de Barros Filho. Pelo contrário, as negociações envolvem nomes como Uebe Rezeck e Mélek Zaiden Geraige. Uebe Rezeck, figura amplamente reconhecida por seu protagonismo nesse processo, foi inclusive padrinho político de Paula Lemos.
A ausência de menção a Uebe Rezeck em seu discurso é no mínimo intrigante. Por que Paula optou por destacar João Monteiro de Barros Filho, uma figura sem relevância registrada nesse episódio, e não Uebe Rezeck, cuja influência é amplamente reconhecida? Essa escolha levanta dúvidas sobre o peso político de suas palavras e o alinhamento de seus agradecimentos.
Perdas da 13ª Região Administrativa
A narrativa de “gratidão” e “superação” de Paula Lemos ignora uma das principais perdas políticas de sua gestão: a retirada das cidades de Olímpia e Severínia da 13ª Região Administrativa, um enfraquecimento significativo para Barretos. Esse movimento contou com apoio do deputado federal Geninho Zuliani, do mesmo partido de Paula na época, e do deputado estadual Sebastião Santos, relator, que também contribuiu para o esvaziamento da região. Como prefeita, Paula teve um papel ativo no fortalecimento político dessas figuras, captando votos e colaborando em campanhas. Por que, então, essas perdas não foram mencionadas? Sua ausência no discurso sugere um silêncio estratégico, mas que pode ser interpretado como negligência política.
Dificuldades: um argumento vago
Paula menciona repetidamente as dificuldades enfrentadas durante sua gestão. No entanto, sua fala carece de especificidade. A crise financeira, a pandemia, e eventos climáticos adversos são citados, mas como essas dificuldades se traduziram em desafios concretos para sua administração? E mais importante: como foram enfrentadas? O apelo à “coragem” e ao “trabalho árduo” soa como um subterfúgio emocional que evita um balanço objetivo e transparente de sua gestão.
Comparar dificuldades não é tarefa simples, mas é inevitável perguntar: as dificuldades de Paula foram realmente maiores que as enfrentadas pelo governador de São Paulo ou pelo presidente da República? Essa comparação, ainda que implícita, parece desproporcional e serve mais para justificar limitações do que para apresentar resultados.
Transparência: a ausência do futuro
Uma das falhas mais evidentes do discurso de Paula Lemos é a ausência de informações sobre o estado financeiro e administrativo em que deixou a Prefeitura. Não houve convocação da imprensa para apresentar um balanço detalhado, e o discurso em si carece de dados concretos. Qual é o tamanho da dívida pública? Quais projetos estão em andamento? O que foi planejado para o futuro da cidade? Essas perguntas permanecem sem resposta, criando uma lacuna que ofusca seu legado e dificulta a avaliação de sua gestão.
Gratidão a quem?
Por fim, Paula invoca “gratidão” de forma ampla, mas sua falta de especificidade é notável. A gratidão é direcionada aos cidadãos, ao partido, aos padrinhos políticos, ou apenas à sua própria narrativa? Esse ponto reflete uma ambiguidade estratégica que parece mais voltada a evitar desagrados do que a expressar sinceridade.
Para concluir
O discurso de Paula Lemos, embora repleto de emoção e retórica inspiradora, deixa importantes questões sem resposta. A omissão de figuras centrais como Uebe Rezeck, o silêncio sobre perdas políticas significativas e a falta de um balanço transparente de sua gestão enfraquecem sua narrativa. Se a política é feita de símbolos e palavras, o discurso de Paula oferece mais dúvidas que certezas, mais emoção que substância. Barretos merece mais clareza e objetividade para entender o legado de sua primeira prefeita mulher.