Onde a verdade encontra a democracia.
DESDE 2015

Em nome da “segurança”, vereadores tentam calar o povo trabalhador

 Em nome da “segurança”, vereadores tentam calar o povo trabalhador

Barretos, 2025. A cidade conhecida por sua tradicional Festa do Peão agora vira palco de mais uma disputa entre poder e povo. Só que dessa vez, o rodeio é político — e quem está levando laçada são os ambulantes. Com a sanção da Lei Complementar nº 609/2025, de autoria dos vereadores Sérgio Tobace (o “Japonês”) e Marcos Mariano, trabalhadores informais foram simplesmente banidos de um raio de 100 metros ao redor de bancos e lotéricas. Tudo em nome de uma “segurança” genérica, inflada e oportunista.

Vamos direto ao ponto: isso não é segurança. Isso é higienização social com verniz legal.

A justificativa apresentada na lei parece saída de um manual do pânico moral: “os bandidos se aproveitam das aglomerações, os idosos são vítimas, a cidade precisa se proteger”. Ora, então vamos acabar com as filas nas calçadas também? Vamos proibir idosos de usarem o caixa eletrônico? Ou será que o próximo passo é exigir CPF e antecedente criminal para comprar um pastel?

Circulando pelas lotéricas da cidade, nota-se a verdadeira paisagem social de Barretos. Na Lotérica Fortaleza, um vendedor de frutas luta pela sobrevivência ao lado de quem vende Hiper Saúde. Na lotérica Boa Sorte, churrinhos adoçam o dia de quem espera na fila. Nas Lotéricas Ivaí e Campeã da Sorte na Praça Francisco Barretos, diversos ambulantes se misturam com a rotina bancária e a feira artesanal de ambulantes, legalizada por lei, durante o mês de agosto. Na Lotérica São Benedito tem Hiper Saúde, água de coco e até moradores em situação de rua. E perto da Santa Rita, na Avenida José Bampa, a prefeitura — que se diz preocupada com o povo — já foi rápida em despejar ambulantes no dia 27 de março com base nessa nova “lei da mordaça informal”.

É preciso escancarar o absurdo: estamos diante de dois vereadores com discurso liberal, defensores do “livre mercado”, que agora vestem a farda do autoritarismo urbano e criminalizam o trabalho informal. Como se o problema da violência nas imediações de bancos e lotéricas fossem culpa de quem vende banana, não da ausência de políticas públicas de segurança, de renda, de dignidade.

Hipocrisia em alta, renda em queda.

Essa lei fere o espírito democrático da Constituição, que prega o direito ao trabalho e à dignidade humana. Vai de encontro à própria lógica da economia popular. O ambulante é aquele que não teve acesso ao crédito, à loja, ao CNPJ, mas se recusa a virar estatística do desemprego. É o trabalhador que levanta cedo, monta sua banquinha, encara o sol e a chuva para garantir o arroz com feijão. Não é criminoso, é resistente.

E mais: quando essa lei fala em proteger os idosos, ela assume que o idoso é incapaz de discernir um golpista de um trabalhador. Infantiliza a população. Demoniza a rua. E esconde o verdadeiro alvo da repressão: o pobre, o periférico, o informal. A cidade que acolhe o peão agora expulsa o ambulante?

O secretário Kapetinha, conhecido por sua sanha punitivista e por ter multado até carro de aplicativo por publicidade em postes, aparece novamente nesse cenário como o braço executor da criminalização do trabalho informal. Tudo em nome da ordem. Mas a quem essa ordem serve?

Conclusão: o povo não é problema. O povo é solução.

Ao invés de proibir, a Câmara deveria estar regulamentando. Criando espaços organizados, cedendo barracas, oferecendo microcrédito. A Prefeitura deveria capacitar, dialogar, incentivar. Mas não. Preferem o atalho da canetada, do decreto autoritário travestido de “bom senso”.

O que está em jogo aqui não é a segurança. É o modelo de cidade. Uma cidade viva tem camelô, tem vendedor de fruta, tem cheiro de churros na calçada. Uma cidade morta tem lei para tudo e espaço para ninguém. Barretos, acorde. O que está em jogo é a alma popular da cidade.

Igor Sorente é jornalista e empreendedor em comunicação, audiovisual e tecnologia.

Redação

Relacionado

Ops, você não pode copiar isto!