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O som do improviso: como o prefeito Odair transformou uma sinfonia em desafinação política

 O som do improviso: como o prefeito Odair transformou uma sinfonia em desafinação política
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Se você achava que política municipal era feita apenas de tapa-buraco, asfalto e corte de fita, Barretos acaba de mostrar que o som de uma orquestra pode soar mais estrondoso que a buzina de um caminhão de coleta. A crise envolvendo a Orquestra Sinfônica Municipal não é apenas uma rusga entre músicos e administração. Não. É o retrato fiel — e caricato — de um prefeito que fala pelo fígado, age pelo impulso e esquece que governar exige mais cabeça que garganta.

Na coletiva de imprensa desta segunda-feira, 31 de março, o prefeito Odair Silva (REP) resolveu descer do tom. Literalmente. Ao invés de responder com inteligência e tática à crise instalada na Orquestra, preferiu o caminho da arrogância — um prato cheio para o desgaste político. Porque, sejamos francos: quando um prefeito perde a compostura frente a um grupo de músicos, o que ele fará quando enfrentar problemas de verdade?

Odair parece não ter entendido que a plateia que acompanha uma orquestra não é só amante de música clássica. É formada por professores, formadores de opinião, artistas, médicos, jornalistas e… eleitores. Gente que pensa, que critica e que sabe que a orquestra vai muito além do som: ela é símbolo de civilidade, de investimento em cultura, de projeto de cidade.

E o que ele faz? Exonera músico, impõe jornada absurda sem estrutura mínima, despreza o debate e ainda solta farpas sobre “cumprir a lei”. Acha mesmo que colou essa?

Quando o prefeito desafina, o povo escuta

A política é, antes de tudo, um exercício de construção simbólica. E Odair, ao agir como um síndico mal-humorado, está destruindo com uma canetada o que levou quase três décadas para ser edificado: a reputação da Orquestra Sinfônica como patrimônio cultural de Barretos.

E não pensem que o estrago é restrito à pauta cultural. Essa crise expõe algo maior: a falta de projeto, de estratégia e de gente qualificada ao redor do prefeito. O secretariado, em boa parte, é composto por figuras que até ontem mendigavam oportunidade no poder público. Gente sem preparo, sem visão, mas com ambição. E quando se junta amadorismo com arrogância, o resultado é uma sinfonia de erros.

Lembram daquele vereador que hoje virou secretário? O mesmo que tentou despejar ambulantes regularizados em 24 horas sem um pingo de diálogo e depois lavou as mãos, dizendo que era “só fiscalização”. Isso, aquele mesmo que na tribuna da Câmara esbravejava sobre os oportunistas da vida pública. Pois é, a política tem memória — e ela está sendo ativada.

O “namoro dos 100 dias” acabou. Agora vem a ressaca.

Em política, os primeiros 100 dias são como uma lua de mel. Tudo é novidade, há boa vontade e certa paciência popular. Mas com a coletiva desastrosa e a crise da Orquestra, Odair rasgou o véu da tolerância. De agora em diante, qualquer tropeço vira manchete. Qualquer silêncio, suspeita. Qualquer medida impopular, mais um degrau rumo ao isolamento político.

Se tivesse sido polido, humilde, se abrisse o diálogo com os músicos, se mostrasse esforço para criar uma regulamentação específica à categoria, hoje seria aplaudido. Mas preferiu o confronto, o discurso duro e a ameaça velada. Jogada errada.

Contraponto: a legalidade existe, mas a sensibilidade também deveria

Vamos ser justos. O prefeito tem uma carta na manga: a legalidade. De fato, a Lei Complementar 68/2006 exige a carga horária. Mas e a razoabilidade? E o bom senso administrativo? E a especificidade do trabalho artístico? É aqui que Odair se perde. Governar não é só aplicar lei — é interpretar a lei à luz do interesse público e do contexto social.

Odair poderia ter proposto uma regulamentação nova. Poderia ter chamado os músicos, a Câmara, o Ministério Público, feito um acordo. Mas preferiu jogar gasolina onde já havia faísca. Agora, precisa administrar o incêndio — e vai se queimar.

O risco real: a sinfonia silenciar de vez

Músicos pedindo licença. Exoneração sem reposição. Contratação emergencial de freelancers para apresentações. Isso é gestão? Isso é valorização da cultura?

A Orquestra é o canário na mina de carvão. Se ela silenciar, é porque o ar da gestão Odair está irrespirável. E se ele não mudar a postura, não só a música vai parar. Vai parar a paciência da cidade. Vai parar o apoio político. Vai parar o mandato, antes mesmo do fim.

E agora, maestro Odair? Vai reger ou ser vaiado?

Ainda dá tempo. Mas não muito. Odair precisa virar maestro de si mesmo, afinar o discurso, substituir músicos por ideias, rever o secretariado, compor soluções — ou será mais um daqueles prefeitos que entram fazendo barulho e saem em silêncio, sem aplauso, sem bis, e com o teatro às moscas.

Porque a política, como a música, é feita de ritmo, pausa e harmonia. E o que vimos até aqui foi só desafinação.

Redação

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