Nem Fla nem Flu

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O momento de dicotomização radical da política nacional nos cobra uma posição corajosa, mas principalmente equilibrada, sem polarização irrefletida que tem caracterizado esse duro período. Tudo pede prudência. Mas sem buscar nos refugiarmos no equilíbrio do muro, e tampouco ficarmos entorpecidos assistindo os fatos se construírem. Há que se buscar os significados mais profundos e principalmente aqueles propositalmente submergidos nos escusos porões da má política e do escasso direito judicial.

Precisamos de reformas: a governabilidade é mais um direito do cidadão que do governo. O combate à corrupção precisa ser incessante em todos os níveis: governo, agremiações partidárias, instituições etc., mas não pode, como está acontecendo, se dar parcialmente, precisamos acurar as lentes e não as armações, porque no atual estado de coisas quem vai encontrar chão fértil para agir é o populista aventureiro.

Não superaremos a corrupção impunemente, temos essa consciência e não se trata disso, mas temos de enfrentá-la de uma maneira forte: intensa, equilibrada e sem ódio. O clima de intolerância e radicalização política instaurado precisa ser superado. O discurso do ódio é preocupante, há que se refletir: de onde vem esse ódio? Quais são as consequências dele na vida da nação? O ódio político é histórico, foi combustível ao fascismo e racismo que culminou no nazismo, por exemplo. E não há como negar: há claros elementos fascistoides no ar que respiramos ultimamente.

A revolta da classe média tem procedência, é compreensível, afinal ficou mesmo excluída do processo colocado em marcha pelos vieses ideológicos dos governos do PT e sua ampla base aliada. Mas há uma parte dela exagerando, perdendo a noção de que vivemos num país tão desigual que nele dizer-se ameaçado de não ter como visitar o Mickey ofende, é necessário que se diga. Há uma parcela que insiste em não ver o outro, não pensar, e age como gado aboiado pela TV ou papagaio repetidor da Internet como se exalasse o mais alto grau de compreensão, calcada tão somente na intuição.

O mais grave é que a atual situação coloca a própria soberania do país em risco, já tímida por subserviência, por, por exemplo, não ter determinação para investir em um submarino nuclear que guarde nossas extensas fronteiras marítimas. Que temos sido governados por dirigentes com limitado senso de responsabilidade, sem projetos, sem seriedade, é indubitável. Mas se elegemos mal, se as outras opções oferecidas também não eram tão atraentes ou mesmo diferentes, não será incendiando o país que vamos consertá-lo. Comedimento nas paixões, irmãos brasileiros, cabe-nos construir a partir desse caos ao invés de fomentá-lo.

Se na política o cidadão consequente escolhe uma posição, um partido, uma ideologia; por outro lado é próprio do cidadão politizado a moderação, o buscar o caminho do meio entre as polarizações exacerbadas que temos assistido: uma posição coerente nas graves questões que estão colocadas.

Ainda que tenhamos de reconhecer que isso já foi feito a seu tempo, a saber, nas eleições de 2014, é importante que a sociedade civil seja imediatamente reconvocada para apontar caminhos, é dela que deve emanar a negociação política quando a crise atinge o nível que atingiu, para que assim haja a possibilidade do entendimento em torno dos temas postos. Os políticos e partidos estão por demais desacreditados, também é mister reconhecer.

Chegamos a um ponto em que, me parece, ou a sociedade cumpre esse papel ou a crise pode avançar a ponto de as forças armadas resolverem agir, apesar de seus generais não quererem. Não há quem não tenha memória, ou tenha tão falto o bom senso que queira um tal desfecho.

A continuar esse estado de coisas, mesmo com boa intenção, o Exército poderá acabar intervindo, tentando desempatar esse jogo e diligenciando para colocar ordem no caos, visando preservar a ordem e a normalidade na vida do país. Não temos hoje uma ameaça de comunismo, como em 1964. O comunismo acabou, mas isso pode acontecer se insistirmos na insânia, se a sociedade deixar de agir, se a polarização crescer. E o que pode se seguir depois é por demais incerto e perturbador.

Para evitar é preciso abandonarmos o enfrentamento cego e negociarmos em torno dos interesses do país, e não da mera sobrevivência eleitoral dos políticos ou dos partidos. Mesmo porque, como bem mostrou o repúdio ao Geraldo Alckmin e ao Aécio Neves em pleno ato contra o governo e em favor do impeachment, agenda de ambos, também ambos objetos de investigação, no último dia 13 de março. É forçoso reconhecer, o quadro está muito confuso, e enorme a rejeição aos partidos e aos políticos. Mas haveria democracia sem políticos e sem partidos?

A decepção é profunda, o governo vem mal há tempo e a corrupção é inegável, pouco importando se ela vem de antanho ou se é obra desse governo, contudo, não podemos deixar de reconhecer o que foi feito de bom, apesar disso. Realizaram-se avanços importantes, como a política de distribuição de renda, a colocação do Brasil no mapa político mundial, pagamento da dívida com o FMI, construção de universidades e escolas técnicas, água para o sertão nordestino, foi um governo que teve o condão de tirar milhões de brasileiros, irmãos nossos, da linha da miséria e da fome, foi premiado por reconhecimento na ONU, liderou entre os governos dos países em desenvolvimento – os Brics, entre muitos outros relevantes pontos. Mas os gigantescos pecados cometidos carecem ser purgados. Mensalão no Congresso, escândalos na Petrobras, nos Correios e na Valec… para ficar no mínimo.

Entendo o quanto é difícil reconhecer o outro lado, mas a situação atual nos cobra essa responsabilidade, vamos dar as mãos e construir juntos uma solução negociada. Se a delação premiada livra das celas os criminosos delatores, uma renúncia negociada poderia nos devolver a paz e confiança que nossos filhos e netos terão o futuro que merecem.

José Manoel Ferreira Gonçalves, é doutor em engenharia, jornalista, advogado e escritor

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Redação

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