Barretos e a crônica do colapso anunciado: uma aula prática de como quebrar uma cidade
Barretos encerra 2024 com déficit em autarquias, enquanto Prefeitura aumenta despesas
Em Audiência Pública realizada na noite de quarta-feira (26), na Câmara Municipal de Barretos, o consultor Gaspar da Costa apresentou o balanço financeiro do município referente ao último quadrimestre de 2024, fechando o exercício anual. A prestação de contas detalhou as receitas, despesas e investimentos realizados pela Prefeitura e suas principais autarquias.
Arrecadação e gastos: um equilíbrio delicado
Com orçamento inicialmente previsto em R$ 1,128 bilhão para 2024, o município arrecadou efetivamente R$ 1,111 bilhão — uma frustração de receita de R$ 17 milhões, ou 1,5% abaixo do esperado. Apesar da arrecadação aquém do previsto, a Prefeitura, isoladamente, arrecadou R$ 905,7 milhões — superando em 2% a meta de receita (R$ 890,9 milhões). Essa aparente boa notícia esconde uma contrapartida preocupante: as despesas também cresceram, ultrapassando em R$ 16 milhões o valor inicialmente estimado.
SAAEB e IPMB: gargalos crônicos nas contas públicas
O Serviço Autônomo de Água e Esgoto de Barretos (SAAEB) revelou uma situação crítica. Com previsão de arrecadação de R$ 110 milhões, o órgão faturou apenas R$ 90,6 milhões — uma queda significativa de 18%. Ao mesmo tempo, as despesas alcançaram R$ 107,3 milhões, encerrando o ano com déficit de aproximadamente R$ 16 milhões.
Outro ponto sensível é o Instituto de Previdência do Município de Barretos (IPMB), que sofreu um déficit de R$ 923 mil em 2024. Apesar de arrecadar R$ 115,3 milhões, o valor ficou 10% abaixo do orçado, enquanto os gastos previdenciários consumiram quase tudo: R$ 114,3 milhões.
Esses déficits acumulados, tanto no SAAEB quanto no IPMB, refletem desafios estruturais na gestão das autarquias, especialmente considerando a crescente necessidade de recursos para manutenção de serviços essenciais e pagamento de benefícios previdenciários.
Câmara economiza e devolve recursos
Diferente do cenário nas demais áreas, a Câmara Municipal apresentou superávit interno, devolvendo R$ 3,5 milhões aos cofres da Prefeitura. Com orçamento de R$ 17,5 milhões, o Legislativo gastou apenas R$ 13,9 milhões.
Dívida municipal: montanha a escalar
A dívida total da Prefeitura de Barretos encerrou 2024 em R$ 576,8 milhões, sendo a maior parte (R$ 489,7 milhões) referente a obrigações previdenciárias com o próprio IPMB — uma situação típica de municípios que enfrentam déficits atuariais históricos. Os precatórios somam R$ 60,2 milhões, enquanto a dívida com a Desenvolve SP chega a R$ 25,2 milhões.
Há um alívio pontual: dívidas com INSS, CPFL, FGTS e PASEP foram zeradas. Entretanto, esse alívio de curto prazo não compensa o endividamento estrutural elevado, especialmente no setor previdenciário.
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Restos a pagar: contas que atravessam anos
Outro dado relevante refere-se aos Restos a Pagar — despesas empenhadas e não pagas dentro do exercício fiscal. Em 31 de dezembro de 2024, a Prefeitura acumulava R$ 117,9 milhões nessa categoria, enquanto o SAAEB registrava R$ 20,2 milhões e o IPMB, R$ 3,1 milhões. Esse efeito “bola de neve” é um sinal de alerta para a gestão de fluxo de caixa em 2025.
Análise crítica e opinião
1. SAAEB e o risco da insolvência operacional
Os números do SAAEB sugerem um descompasso entre a tarifa cobrada e o custo efetivo da operação. A arrecadação 18% abaixo da meta sinaliza falhas de planejamento ou ineficiência na cobrança. É preciso investigar se há inadimplência alta, evasão tarifária, ou se o planejamento orçamentário foi simplesmente otimista demais. Um déficit de R$ 16 milhões em uma autarquia de saneamento é um alerta vermelho — saneamento é um serviço essencial e a autossuficiência financeira deveria ser regra, não exceção.
2. Previdência: o buraco sem fundo
O déficit previdenciário crônico de Barretos reflete um problema nacional: regimes próprios de previdência, especialmente em municípios de médio porte, tendem a operar no limite da sustentabilidade. A dependência de repasses da Prefeitura para cobrir esses rombos pressiona o orçamento municipal como um todo. Sem reformas estruturantes no regime de aposentadorias ou injeções de novos ativos para capitalizar o IPMB, a situação tende a piorar ano a ano.
3. Prefeitura entre receitas e gastos
O crescimento da arrecadação em 2% é positivo, mas foi anulado pelo aumento de despesas em proporção semelhante. Isso revela uma gestão financeira reativa, onde o aumento da arrecadação gera automaticamente mais gastos, em vez de gerar poupança para investimentos estruturantes ou redução da dívida. Em tempos de crise fiscal, essa prática é perigosa.
4. A Câmara e o exemplo de austeridade
A devolução de R$ 3,5 milhões pela Câmara é um ponto positivo e deveria ser prática padrão em todas as esferas do poder público. Esse recurso, quando bem aplicado em áreas prioritárias, pode gerar impactos relevantes.
Conclusão
Os dados apresentados na audiência pública deixam claro que Barretos, na gestão de Paula Lemos (PSD) encerrou 2024 em uma situação de alerta fiscal. A Prefeitura conseguiu manter suas contas equilibradas no curto prazo, mas as autarquias e o sistema previdenciário continuam drenando recursos. Para 2025, o desafio será não apenas equilibrar receitas e despesas, mas atacar problemas estruturais como a sustentabilidade do IPMB e a saúde financeira do SAAEB.
É essencial que o planejamento para 2025 inclua uma revisão tarifária para o SAAEB, maior fiscalização na arrecadação de tributos municipais e, principalmente, uma reforma previdenciária local capaz de reduzir o déficit atuarial. Sem essas medidas estruturais, o município continuará a operar no limite, com alto risco de comprometimento da capacidade de investimento nos próximos anos.