Zé Gonçalves era um xerife no Ibitu

 Zé Gonçalves era um xerife no Ibitu

– Zé Gonçalves vem aí!…

Estava dado o alerta à freguesia da venda.

— Olha o bate pau do Ibitu!…

Assim os moradores da vila identificavam o subdelegado. Através de uma espécie de plebiscito eles haviam escolhido o representante do lugarejo perante a lei. Na década de 50, quando a autoridade da cidade quis nomear o novo subdelegado do Ibitu, a maioria clamou:

— Ponha o Zé Gonçalves que é um sujeito de muito respeito. Ele diverte bem com todo mundo e dá respeito.

A partir de então, o novo “xerife” recebeu ordem para averiguar todas as queixas. Agia como espécie de Juiz das Pequenas Causas, contornando e resolvendo as desinteligências. A maioria das ocorrências era considerada corriqueira. De vez em quando a cadeia hospedava alguns bêbados. Eles ficavam ali até curar o porre. Os soldados que trabalhavam sob a orientação do subdelegado estavam instalados numa casa perto do xilindró.

Durante o período de 8 anos em que permaneceu no cago de subdelegado, Zé Gonçalves não registrou nenhum crime. Apenas o esporte era cenário para algumas desavenças.

— Antigamente dava muita briga no futebol. Aliás, até hoje sai algum quebra-pau e catiripapos. As maiores rivalidades são com os times da Cachoeira e da Lagoinha.

Certa vez aconteceu um acidente pessoal e fatal:

— Eu ainda morava na fazenda do João Estulano. Um rapaz saiu de trator carregando uma espingarda pra matar codorna. Ao passar pelo pasto, uma das rodas caiu numa cisterna velha, coberta pelo capim. Com o impacto, a arma disparou e o tiro pegou próximo ao umbigo do sujeito. O moço não resistiu aos ferimentos e faleceu.

 

QUIETO, SENÃO O PAU QUEBRA

Um dia, dona Erminda mandou o subdelegado Zé Gonçalves na venda. Ela não gostou das atitudes do soldado Jonas. O praça pegava o revolver e misturava a pinga num copo, diante dos olhares de menores. A mulher pediu providências para retirar os meninos do estabelecimento. A garotada não podia ver mau exemplo.

— Quando cheguei à venda, não entrei. Fiquei do lado de fora. Chamei os meninos e pedi que se retirassem. Disse que suas mães estavam chamando. Os garotos obedeceram. Porém, o soldado achou minha atitude uma desfeita e veio ao meu encontro.

— Vou te dar um coro de gravata!, afirmava.

— Quando ele pulou pra cima de mim, saltei de banda. Num relance, meti o pé no rim dele. Na hora, o soldado caiu quebrado. Quando fui pra pisar em riba, o povo que juntou em roda não deixou.

— Não ta vendo que ele ta quebrado, disseram alguns.

— Pois é! Eu quebrei a clavícula do soldado. Passado o entrevero, telefonei pra Barretos e contei o caso pro delegado. O doutor veio no Ibitu e achou que eu tinha agido certo.

No lugar onde havia as ruínas da cadeia do Ibitu a Prefeitura de Barretos perfurou um Poço Artesiano que abastece o Distrito. Há muito tempo não existe mais subdelegado no lugarejo.

— Agora não tem mais isso. Os responsáveis pela tranquilidade de Ibitu somos nós. Quando aparece alguém de fora querendo bagunçar o coreto o povo avisa: “aquieta senão o pau quebra”

.

O RAPAZ SEM O “APARELHO”

Zé Gonçalves mostrou duas cruzes, uma ao lado da outra, nas terras de Maria Neves. E contou uma tragédia dos tempos que ainda era menino

— Um casal de namorados se suicidou neste local. O rapaz e a moça se amavam muito. Ele era sírio e ela era filha de uma família daqui, que eu não lembro o nome. Foram encontrados mortos. Haviam se matado. Os dois estavam atados pelas mãos com uma gravata, num sinal de união. Parece que o moço deu um tiro no ouvido da moça e depois disparou contra sua própria cabeça. A história deu muito que falar. A vila ficou alvoroçada. Dizem que o rapaz não tinha o “aparelho”. Era inutilizado. Por isso, fizeram um pacto de morte.

A propriedade de Zé Gonçalves atingia cerca de dois quarteirões.

— “Aqui eu tenho um pouquinho de tudo. Planto café, milho, arroz, laranja e mandioca. Quando preciso de uns cobres, vendo pros marreteiros.

Na chácara Gonçalves, a criação de porcos era destinada somente para o gasto. Há bastante galinha espalhada pelo terreiro. Não tem gado. Contudo, um animal é considerado de primeira linha:

— Tenho uma mula que é um colosso. Seu nome é Campinas.

 

ATÉ GALOU MUDOU DE TERREIRO

Zé Gonçalves lembrou a história do furacão que arrasou o lugarejo em 1926, quando Ibitu era conhecido por Itambé. O vento e a chuva de pedra derrubaram tudo. Não ficou um telhado. O povo se escondeu debaixo das mesas e camas.

— Até galo mudou de terreiro!, exclamou.

E logo em seguida, ressaltou:

— Mas marido não mudou de terreiro.

Segundo Zé Gonçalves, o granizo acabou atingindo cerca de um metro de altura nos acostamentos da estrada. A Igreja foi destruída. Só restou apenas ruína. Apenas uma velha cruz de madeira lembrava o templo onde hoje está instalada a escola do Distrito. A cruz não existe mais, mas “os antigos” se lembram dela.

— Antigamente, Ibitu tinha mais movimento, pois todo mundo tocava lavoura e gerava mais empregos. Havia até depósito de algodão.

E recordou com saudade dos tempos áureos do lugar que já teve farmácia, padaria, cinema mudo e banda de música.

— Ibitu tinha a melhor banda de música da região. Uma vez conquistou o segundo lugar num concurso em que disputaram ainda Barretos, Jaboticabal, Olímpia e Bebedouro. Jaboticabal foi a campeã.

 

PRA SACOLEJAR O PELO

Depois de uns dez noivados, o coração de Zé Gonçalves foi conquistado pela jovem Luiza Lemos. Embora muita gente duvidasse do casamento, eles foram pedir a benção ao vigário e “passar o preto no branco”. Vieram uma porção de filhos, netos, bisnetos…. No Natal e Ano Novo, quando a família se reunia, era um povaréu alegre no lar.

Nascido na Vila Nova, em Barretos, e radicado no Ibitu desde 1941, Zé Gonçalves acreditava no progresso do lugarejo. Antigamente havia muita casa de pau a pique, agora todas são de alvenaria. O povoado tem iluminação, água, asfalto, postinho de saúde e de polícia. E algumas reclamações:

— Faltava supermercado, farmácia e padaria.

De acordo com Zé Gonçalves o patrimônio de Ibitu atingia 45 alqueires. Porém, a área ocupada era menor.

— Os fazendeiros tomaram conta de tudo.

Zé Gonçalves era compositor nato e guardava tudo na memória, sem nenhum registro escrito. Folião de Reis desde os 7 anos, garantia que não parava com a devoção. As festas de Igreja estavam sempre presentes em sua memória. Não perdia uma quermesse. Sorrindo, confessou que apreciava uma dança gostosa:

— A tal lambada!….

E arrematou:

— Gosto de dançar forró com a patroa. É pra sacolejar o pelo.

Zé Gonçalves já partiu. Deixou saudades e muitas histórias.

Redação

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