Aos 97 anos, mulher doa coleção do primeiro jornal do município para Museu Ruy Menezes

 Aos 97 anos, mulher doa coleção do primeiro jornal do município para Museu Ruy Menezes
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A mulher no decorrer da história lutou para conquistar seu espaço e principalmente para conseguir seus direitos civis. No Brasil, a mulher conseguiu se firmar como profissional e cidadã no início do século XX, pois foi nesse período que ela conquistou o direito ao trabalho e também o direito ao voto. No entanto, o coronel Silvestre Gomes de Lima, redator chefe de O Sertanejo, deu um grande passo ainda no século XIX e os registros indicam a primeira mulher a atuar na imprensa barretense em 1900.

Usando o pseudônimo Nohira, Noemi Hilda Nogueira foi a pioneira da imprensa barretense à frente do semanário O Sertanejo, que começou a circular em 31 de março de 1900. Seu trabalho frente ao jornal era traduzir obras célebres e criar charadas.

Filha de Pedro Paulo de Souza Nogueira, intendente do município de Barretos entre 1897 a 1904, Noemi fundou o Colégio Nogueira.

De acordo com a pesquisadora Sueli Tosta Fernandes, Noemi era uma mulher muito à frente do seu tempo, considerando a formação dos munícipes naquela época, pois era alfabetizada e falava fluentemente o francês.

“Percebemos uma preocupação de seus pais na garantia aos direitos das mulheres à educação e ao trabalho. Era Noemi que fazia a tradução de obras francesas para O Sertanejo.” – destaca. Apesar do pseudônimo, a sociedade sabia que era uma mulher que escrevia no jornal.

A pesquisadora destaca a hipótese da influência do intendente do município, para que Noemi Hilda Nogueira fosse a colaboradora da imprensa ou também, porque ela contava com o apoio dos pais, o que revela uma família que se importava com a instrução das mulheres e com a participação feminina em contextos sociais para além do espaço privado do lar.

A reportagem apurou que o primeiro jornal brasileiro dirigido por uma mulher surgiu em 1832 no Rio de Janeiro. O Jornal das Senhoras veiculou até 1855. Chefiado por Joana Paulo Manso de Noronha, o veículo publicava artigos de moda, literatura, política e artes. Em sua primeira edição, encorajava mulheres a buscar melhorias de direitos e emancipação.


oemi colaborava no jornal O Sertanejo em 1900 (Foto: acervo família Nogueira)

Doação para museu

O prefeito Guilherme Ávila (PSDB) recebeu na tarde do dia 1º de abril a senhora Carmem Maria Marcondes Ferreira Nogueira, 97 anos, que doou seu acervo pessoal da coleção do jornal O Sertanejo. “Minha cunhada [Noemi Hilda Nogueira] colecionava e quando ela morreu, eu herdei.” – destaca Carmen que tem muito amor por Barretos, apesar de ter nascido em Olímpia (SP). De acordo com ela, jornalistas de O Diário, estudantes e pesquisadores vez ou outra apareciam em sua casa para pesquisar a coleção.

Para o prefeito, trata-se de uma doação do acervo pessoal de uma família que ama muito a cidade. “Muito enriquecerá o acervo do Museu Ruy Menezes, assim como os estudos de fatos de nossa história.” – destaca.

A doação foi intermediada por uma das filhas da doadora, Noemi Célia, que recebeu o nome em homenagem à tia intelectual.

Foram doadas quatro encadernações do jornal O Sertanejo em bom estado de conservação, além de um livro de memórias. A família também disponibilizou para digitalização documentos e fotografias de grande relevância para pesquisas históricas. Segundo Sueli Tosta Fernandes, trata-se de importante doação, visto que o Museu Ruy Menezes possui apenas uma encadernação do jornal, incompleta, ilegível em alguns trechos e faltando alguns pedaços. “É um legado da memória, da construção da cidade, do desenvolvimento das ideias, que agora poderá ser estudado. Através deste acervo nossos pesquisadores poderão buscar detalhes do passado da cidade. Por tudo isso, receber este legado, que foi cuidado com tanto carinho pela dona Carmem, é receber um presente para Barretos.” – relata a pesquisadora.

A secretária municipal de Cultura, Juçara Carbonaro, ressaltou a importância deste legado da história da cidade. “A construção da cidade, seu desenvolvimento, ideias, agora poderão ser estudadas por nossos pesquisadores, é um enorme presente esta doação”.

Sobre a doadora

Carmem Maria Marcondes Ferreira Nogueira foi casada com Heli Jarbas de Souza Nogueira, prefeito de Barretos no período de 31 de outubro de 1933 a 26 de julho de 1934. O casal teve três filhas: Noemi Célia, Maria da Glória e Carmem Lúcia. Atualmente, Carmen mora em Ribeirão Preto (SP).

Dona Carmem nasceu em 1918 e conta com lucidez e excelente memória. Trabalhou na “casa de eletricidade” de seu marido e auxiliava na escrita. Para a época, era “estranho” que as mulheres trabalhassem fora de casa e, Carmen era exceção na cidade. Ela se mudou de Olímpia (SP) porque seu pai era médico e veio clinicar em Barretos. O tio de Carmen, Mário Vieira Marcondes já morava em Barretos e isso incentivou a vinda deles.

Dentre as lembranças de Dona Carmen sobre seu marido Heli Jarbas de Souza Nogueira, ela conta que como prefeito, sanou todas as dívidas da prefeitura e, só aceitou o cargo, que naquela época era através de nomeação, porque todos os componentes do partido o indicaram.

Primeira edição

O jornal O Sertanejo trouxe novidades notáveis para os barretenses. Influenciou e contribuiu de forma decisiva para o processo de conquista e expansão cultural de seus habitantes, foi recebido de modo festivo pela imprensa das principais capitais do país, como, por exemplo, o jornal O Paiz, Rio de Janeiro na edição de 9 de abril de 1900, que em artigo assinado por Arthur Azevedo, trouxe a seguinte nota: “Quem é vivo sempre aparece. “Acabo de receber da cidade de Barretos (Estado de São Paulo) o 1º. Número d’O Sertanejo, periódico hebdomadário que tem como redactor-chefe Silvestre de Lima, meu velho e affectuoso companheiro de vida litteraria.”

O Sertanejo traz, além de artigos críticos e notícias em geral, através da coluna “Tradição de Barretos”, escrita pelo coronel Jesuíno de Melo, os primeiros registros sobre a história da cidade de Barretos.


Pesquisadora Sueli Fernandes mostra as primeiras edições de O Sertanejo ao prefeito Guilherme Ávila (Foto: Igor Sorente)

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Redação

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