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Grama esmeralda no forno: quando o verde vira maquiagem

 Grama esmeralda no forno: quando o verde vira maquiagem

Barretos vive um paradoxo que só a política brasileira consegue entregar com tamanha naturalidade: no mesmo enredo em que a Câmara abre uma CPI para investigar a revitalização da Praça Francisco Barreto — por suspeitas sobre aditivos, preços, convênio e qualidade da obra — a Prefeitura anuncia, com orgulho, o plantio de 2.200 metros quadrados de grama esmeralda para “deixar a Praça prontinha” para o Natal.

E aqui começa a pergunta que interessa ao cidadão comum: “prontinha” para quem — e a que custo? Porque “pronta” não é sinônimo de “bem-feita”, “bem-contratada” ou “bem-justificada”. Às vezes é só “bonita na foto”.

Vamos por partes, com o pé no chão (ou na grama).

A política do “verde fotogênico”

Grama é o clássico do marketing público: dá sensação de capricho, limpeza, cuidado. Funciona em vídeo institucional, em foto de inauguração, em discurso de “carinho com a cidade”. Só que política séria não se mede por estética, e sim por prioridade, transparência e custo total de manutenção.

E é aqui que o plantio de grama esmeralda em Barretos pede crítica técnica — sim, técnica, não ideológica.

Grama esmeralda em cidade quente: faz sentido?

Barretos, como todo interior do Sudeste, tem sentido na pele verões mais agressivos, ondas de calor mais frequentes e o famoso efeito “cidade-forno”: muito concreto, pouca sombra, muito sol direto, pouca umidade no microclima urbano. Em cenário assim, gramado grande tende a virar um problema de três camadas:

  1. Água. Muita água: Grama esmeralda não é decoração; é organismo vivo. Para manter verde e “padrão foto”, precisa de irrigação constante, especialmente em períodos quentes e secos. A conta não aparece no release. Aparece depois: caminhão-pipa, aspersor, equipe, manutenção, energia, insumos. E aí a pergunta política é objetiva: quem paga essa água e essa manutenção? A população.
  2. Durabilidade sob estresse térmico e pisoteio: Praça com programação natalina, formaturas e eventos significa circulação intensa. Gramado recém-plantado com gente passando, montando estrutura, pisoteando, carregando equipamento… vira lama, buraco ou palha seca com rapidez. Aí vem o ciclo perfeito do gasto recorrente: planta, estraga, replanta. O custo real não é o plantio. É a repetição.
  3. Efeito ilha de calor: grama ajuda menos do que sombra: Sim, vegetação ajuda. Mas em termos de conforto térmico urbano, sombra de árvore costuma ser o fator mais decisivo para reduzir sensação térmica no uso cotidiano. Um gramado sem arborização suficiente continua sendo um “tapete” exposto ao sol. Ele pode até reduzir um pouco a temperatura do solo em relação ao concreto, mas não resolve o essencial: gente precisa de sombra para ficar na praça. Se a praça está quente, o povo não ocupa. E praça vazia é cenário, não espaço público.

Se a intenção fosse “mais vida”, o pacote mais inteligente (e mais barato no longo prazo) normalmente seria: arborização adequada, espécies nativas, áreas permeáveis, bancos à sombra, jardins de chuva, cobertura morta, paisagismo de baixa irrigação. Isso não rende foto tão “limpinha” quanto um tapete verde, mas rende praça usável — inclusive em dias de calor.

Onde entra a CPI? Entra aqui: timing e transparência

Agora, a parte que cheira mal politicamente.

A CPI começou com um roteiro básico: pedir licitação, contrato, aditivos, convênio e detalhamento de valores (Prefeitura/Estado). Isso é o mínimo para qualquer controle.

E, antes de esse material estar publicamente digerido, o prefeito Odair Silva lança mais uma intervenção “bonita”, conectada ao mesmo espaço já questionado. Mesmo que seja tudo regular, o gesto é ruim por dois motivos:

  • Parece tentativa de mudar a percepção (“esquece pedra solta, olha o verde”).
  • Pode misturar escopos e despesas: manutenção? complemento da obra? novo serviço? aditivo? contrato paralelo? Sem documento, o cidadão só tem propaganda.

E aqui está a crítica central: num contexto de investigação, propaganda sem planilha é provocação. Se a Prefeitura quer mesmo “transparência”, o caminho é simples: publicar de forma acessível (e completa) o que a CPI pediu — e explicar, com clareza, como a grama foi contratada, quanto custou, qual a fonte do recurso, quem executou, qual a garantia e quanto custará manter.

O Natal é legítimo. A cortina de grama, não.

Ninguém é contra Natal, cultura e formatura. O que se questiona é a lógica de gestão: numa cidade quente, com orçamento finito e obra sob suspeita, por que a prioridade vira um tapete que exige água e manutenção contínua? Por que não investir no que melhora conforto térmico e uso permanente, em vez do “efeito vitrine”?

No fim, a CPI vai responder sobre contratos e aditivos. Mas a política já está respondendo sozinha, no gesto: quando falta explicação, sobra cenário.

E Barretos não precisa de cenário. Precisa de praça que funcione no calor, no dia a dia, com custo sustentável — e com documento na mesa, não só grama na foto.

Redação

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