Padre Primo Scussolino – o atrevido amigo da maçonaria e primeiro clérigo de Brasília
Padre Primo Scussolino – o atrevido amigo da maçonaria e primeiro clérigo de Brasília
Barretos, década de 1950. O vento soprava poeira pelas ruas e, entre quermesses, procissões e foguetes, surgia uma figura que logo se tornaria inesquecível: Padre Primo Scussolino, da Ordem Estigmatina. Não era um padre qualquer. Aos 44 anos, recém-chegado ao bairro Fortaleza, trazia consigo não apenas a batina, mas uma ousadia que fazia a cidade comentar. Personagem de destaque na construção da segunda Paróquia Nossa Senhora do Rosário.
Nascido em Udine, Itália, em 10 de dezembro de 1906, possuía grandes olhos azuis numa face marcada, mas sempre sorridente, dos que não se conformam com o óbvio.
Dizem que se atrevia até batizar filhos de maçons, e, convenhamos, para os padrões da época, isso era quase um ato revolucionário. O verbo “atrevia”, usado por Diogo Mendes Vicentini décadas depois, em artigo no Jornal de Barretos, não poderia ser mais certeiro. Padre Primo não se limitava às regras rígidas: preferia construir pontes, ir ao encontro das pessoas, mesmo quando outros erguiam muros.
As fotografias guardadas no Museu Ruy Menezes confirmam essa amizade improvável. Lá está ele, sorridente entre os Irmãos da Loja Fraternidade Paulista, como se fosse parte da confraria. O clima é festivo, os sorrisos largos, e a cena parece dizer: “Aqui, padre e maçons brindam juntos à vida.”

Mas não pense que sua ousadia se restringia às amizades. Padre Primo era também um empreendedor nato. As quermesses que organizava se tornaram tão memoráveis que viraram música na voz de Bezerrinha, o compositor barretense Francisco Bezerra de Menezes. Em versos simples e cheios de verdade, a canção “Palavra de Peão” eternizou o compromisso do povo com o vigário:
Hoje tem festa em Barretos
Com foguete e procissão
Padre Primo me pediu
Tu não faltes pro leilão
Eu já dei minha palavra
Eu não faço feio não
Arrespeita canoeiro
A palavra de um peão
A letra revela muito mais do que uma festa: mostra a fé do peão, sua aflição em chegar a tempo para cumprir o combinado com o padre, e a força da palavra dada como garantia de honra. Era a música transformando em poesia um aspecto histórico da cidade e o espírito comunitário que Padre Primo sabia despertar. O vigário não apenas celebrava missas, mas mobilizava colônias italianas, portuguesas, japonesas e tantos outros segmentos da sociedade, transformando fé em festa e festa em tradição. Hoje a “Festa Italiana”, que celebra a cultura e a gastronomia italiana, ocorre na Praça que recebeu seu nome por meio de Lei número 660, de 4 de setembro de 1958.

Em 1957, o destino o levou para Brasília. Lá, tornou-se o primeiro clérigo da nova capital, celebrando missas sob blocos em construção, chamando candangos e engenheiros com uma sineta guardada na maleta. E se em Barretos ganhou um jipe para percorrer ruas de terra, em Brasília o mesmo veículo o levava entre canteiros de obras, enfrentando sol e chuva. O preço dessa dedicação foi alto: a saúde se foi, mas não a coragem.
No mesmo ano em que fundou a Paróquia de Santa Cruz – Asa Sul, igrejinha simples de madeira para a realização de celebrações, ficou doente. O Ano era 1959.
Padre Primo faz um breve retorno a Barretos para tratamento de tuberculose, ficando internado na Santa Casa. Depois foi transferido para Campos de Jordão, melhorou e voltou para Brasília, onde faleceu em março de 1960, aos 54 anos, um mês antes da inauguração da capital. Foi sepultado no Cemitério Campo da Esperança. Seu túmulo encontra-se na Praça dos Pioneiros, espaço reservado exclusivamente para pioneiros e autoridades que participaram da construção da cidade. É uma praça arborizada, onde tremulam as bandeiras do Brasil, do Distrito Federal e de Minas Gerais, terra natal de Juscelino Kubitschek.
Ali repousam nomes que ajudaram a erguer Brasília: o engenheiro agrônomo Bernardo Sayão, Joffre Mozart Parada — primeiro engenheiro a chegar à nova capital — e o padre italiano Primo Scussolino, que levou a fé às obras da cidade.
Curiosamente, o túmulo de Juscelino Kubitschek, também localizado na praça, permanece vazio. Hoje, ali repousam Sarah e Márcia, esposa e filha do presidente.
JK teve seus restos mortais transferidos para o Memorial que leva seu nome — um museu e mausoléu projetado por Oscar Niemeyer. Na cripta solene, repousa o legado do fundador de Brasília. Embora exista um túmulo simbólico no Cemitério Campo da Esperança, é no Memorial que se encontram seus ossos, em um espaço que homenageia sua vida e obra.
Décadas mais tarde, ainda se escreve sobre Padre Primo como “espírito decidido, a quem as dificuldades, quanto maiores, mais o estimulavam”. Essa descrição encontra-se na
publicação Carta do Mês Estigmatinidade, nº 186, de fevereiro de 2006, documento que sintetiza com precisão o caráter do religioso.
E talvez seja essa a melhor síntese: decidido, atrevido, amigo dos maçons e dos peões, e pioneiro da fé em Brasília, Padre Primo Scussolino foi um personagem que soube transformar a fé em movimento.
Para encerrar, uma dica aos amantes da história: o primeiro altar da Paróquia Nossa Senhora do Rosário pertence hoje ao acervo do Museu Histórico, Artístico e Folclórico “Ruy Menezes”. É uma peça singela, toda em madeira, entalhada pelas mãos hábeis do artesão italiano Francisco Scannavino, em 1910, ano que marca o início da construção da Igreja. O altar apresenta, esculpido em alto relevo, o rosário de Nossa Senhora. Mais que um objeto, é testemunho da simplicidade e da devoção que marcaram os primeiros anos da comunidade. Visitar o Museu é como percorrer as veias da memória de Barretos, descobrindo em cada detalhe um fragmento precioso de sua identidade.

