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Liberdade religiosa, laicidade e ética pública — o caso Barretos
Quando a política local se mistura com a fé, o resultado costuma ser inflamável. E em Barretos, essa mistura pegou fogo. O vereador Jonathas Lazzarotto (PSD) apresentou uma moção de repúdio contra o prefeito Odair Silva, a procuradora-geral Cassiane de Melo Fernandes e o secretário jurídico Evaristo Ananias de Paula, acusando-os de “discriminatórios” e “parciais” por recomendarem veto ao projeto que criava a “Semana da Reforma Protestante” e o “Dia Municipal da Reforma Protestante”.
De um lado, um parlamentar movido pela defesa da fé e da representatividade religiosa. Do outro, advogados públicos que fizeram o que a lei manda: analisaram a constitucionalidade do projeto. O parecer jurídico foi claro — o Estado é laico, e uma homenagem oficial a uma corrente religiosa, ainda que histórica, poderia ferir esse princípio.
Mas o problema é que, em tempos de redes sociais, o que era técnica virou política, e o que era fé virou guerra de narrativas.
O que está em jogo
Não é apenas um embate entre um vereador e a procuradoria. É uma disputa de conceitos democráticos.
A moção apresentada — e aprovada — acusa os procuradores de intolerância e “viés ideológico”, algo grave quando falamos de servidores cuja função é orientar juridicamente o Executivo. O texto, cheio de emoção e indignação, chega a dizer que houve “retaliação pessoal e vingança institucional”.
Ora, em uma democracia madura, opinião técnica não se pune com repúdio político. Advogados públicos não são adversários do Legislativo — são guardiões da legalidade. E punir o parecer é, sim, uma forma de intimidação.
É legítimo que o vereador defenda sua fé e sua comunidade. Mas quando ele transforma uma divergência jurídica em um ataque institucional, o risco é alto: o da erosão da ética pública e do respeito entre os poderes.
Estado laico não é Estado ateu
Muita gente confunde: o Estado laico não é contra a religião — é contra a mistura indevida entre fé e poder. A laicidade protege todas as crenças, inclusive a evangélica. Foi justamente o movimento da Reforma Protestante que inspirou a separação entre Igreja e Estado. É irônico, portanto, que um projeto que celebra essa herança possa, inadvertidamente, contrariá-la.
Quando o parecer jurídico da Prefeitura apontou essa contradição, ele estava, na verdade, defendendo a própria essência protestante: liberdade de consciência, autonomia, fé sem coerção estatal.
É por isso que a OAB agiu corretamente ao acolher a representação dos procuradores. O advogado público não pode ser punido por exercer sua função — isso seria o mesmo que censurar um juiz por uma sentença impopular.
Ética e maturidade democrática
A democracia vive de tensões, mas precisa de limites éticos. Um vereador tem o direito de discordar do Executivo, mas não de criminalizar a técnica. Um prefeito pode vetar um projeto, mas não debochar da fé.
Barretos está diante de uma oportunidade de aprendizado institucional: entender que respeitar a legalidade é também respeitar a religião — porque é o direito que garante a liberdade de todas elas.
Se o Estado se curva à pressão religiosa, abre precedente para favoritismos. Se o jurídico se cala por medo, abre caminho para o autoritarismo. Nenhum dos dois caminhos é bom.
Em defesa da serenidade
É preciso baixar a temperatura. Agora, é hora de recompor pontes, não de erguer muros.
As igrejas evangélicas têm um papel social inquestionável em Barretos — são parte viva da cidade, da caridade, da música, da história. Mas o poder público tem de manter a serenidade constitucional.
Esse fato é um teste — um teste de maturidade democrática. E Barretos, como o Brasil, precisa aprender que a fé é livre, mas o poder tem regras.
A moção de repúdio, ainda que amparada por sentimentos legítimos, foi um erro político e jurídico. Em uma república, a ética institucional exige que a emoção dê lugar à razão. A fé ilumina o espírito — mas é a lei que sustenta a democracia.
