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O Dia em que São Benedito Derrubou um Palanque (e Outras Pérolas da Política Barretense)

 O Dia em que São Benedito Derrubou um Palanque (e Outras Pérolas da Política Barretense)

Comício de Christiano Carvalho com os simpatizantes carregando hastes de cana – Acervo: Onofre Rosa Resende

Se você acha que política é só debate sério e promessas formais, é porque nunca ouviu falar das eleições municipais de Barretos em 1959. Ali, cada comício era um espetáculo, cada candidato um personagem, e cada frase… uma pérola digna de virar bordão.
Tudo começou com Zequinha Amendola, que, num comício do PSP na Praça da Paróquia São Benedito, resolveu desafiar não só os adversários, mas também os santos, requisitando-os: “– Se não for verdade o que eu disse, que São Benedito derrube este palanque!”
E São Benedito, aparentemente, não estava para brincadeira.
O palanque caiu!
Sem vento, sem terremoto, sem aviso. Foi como se o santo tivesse dito: “Desafio aceito.” A plateia, formada por apoiadores, tentou segurar o riso — mas convenhamos, quem nunca riu de um tropeço inesperado?
Mas Zequinha não reinava sozinho no palco da política folclórica. Do outro lado estava Christiano Carvalho, o famoso Nhozinho. Um caboclo atrapalhado, sim, mas com tiradas afiadas e um carisma que fazia o povo rir e votar.
Em um comício, falando sobre Adhemar Barros, líder dos pessepistas, soltou essa:
“Aquele pessoar da banda de lá fala que o chefão deles não é mais aquele do ‘rouba, mas faiz’, que o home tá velho e regenerado. Pura tapeação, minha gente. Não acreditem neles. Porque lobo velho perde o pelo, mas não perde o vício!”
E quando diziam que ele estava velho demais para administrar a cidade, ele respondia com pérolas como:
“Agora, tão me atacando das duas bandas, a UDN e o PSP. Não tem importância, não. Este velho toco de aroeira, minha gente, o Nhozinho docêis é como massa de pão de ló quanto mais bate mais cresce.”
Outra:
“A candidatura do Nagibinho está crescendo, eles falam. Tá crescendo mesmo, minha gente, neste fim de campanha, mas para baixo, que nem rabo de cavalo!”
A cereja do bolo? Uma maquete gigantesca com chaminés soltando fumaça desfilando pela cidade na carroceria de um caminhão. Resultado: vitória garantida!

Avançando para 1968, Nhozinho já era mais experiente — (e mais velho) e mais alvo de piadas. Chamado de “velho bagaço” pelos adversários, ele transformou o apelido em campanha:

“Eu sei que os meus adversários puseram o apelido de bagaço em mim. Dizem que estou velho, cansado, moído, como um bagaço de cana. Mas, meus amigos, quero lembrar o povo barretense que sou candidato a prefeito e não a reprodutor. Se Barretos está precisando de um bom reprodutor, votem no outro. Mas se está precisando de um bom prefeito, votem em mim!”
E o povo comprou a ideia. Literalmente. Começaram a levar hastes de cana aos comícios. A cana virou símbolo, virou logomarca. E Nhozinho? Venceu de novo!

Barretos, como boa cidade que mistura política com folclore, não dá trégua. Em 1992, veio mais um capítulo digno de antologia: a eleição em que o “azarão” Nelson James, do PSDB, surpreendeu geral e derrotou os favoritos Hélio Navarro e Fauze Daher. Foi como se o roteiro tivesse sido escrito por um roteirista de novela das sete — com direito a virada inesperada e personagem improvável saindo vitorioso.
Mas o momento mais memorável não foi nem a vitória. Foi uma gafe que, se tivesse sido televisionada, teria virado vinheta de programa de humor. O protagonista? Jota Carvalho — radialista veterano, voz marcante, figura lendária das campanhas políticas desde os tempos em que se usava alto-falante em cima de Fusca.

Jota estava lá, firme e forte, apresentando o comício de Hélio Navarro com toda a pompa que o momento exigia. A plateia em expectativa, o candidato prestes a entrar, e Jota ao microfone, pronto para anunciar o nome que faria o povo vibrar. Eis que, nos bastidores, um candidato a vereador começa a conversar com ele — meio que sem parar, meio que sem perceber:
“Você viu o Uebe Rezeck ontem? O Uebe Rezeck tá com tudo. Uebe Rezeck isso, Uebe Rezeck aquilo… Uebe Rezeck isso… Uebe Rezeck aquilo…”
Detalhe importante: Uebe Rezeck nem era candidato naquele ano.
E aí, no auge da empolgação, com a voz em modo “locutor de final de campeonato”, Jota solta:
“Com vocês o futuro prefeito… Dr. Uebe Rezeck!”
Pausa dramática. Silêncio. Olhares trocados. E então… risos contidos, gargalhadas discretas, aquele constrangimento coletivo que só uma gafe bem executada pode provocar. Hélio Navarro entra no palco com cara de quem foi chamado pelo nome do vizinho. Foi como se o estádio inteiro tivesse gritado pelo Pelé… e entrasse o juiz.
Desde então, todo comício vem com um lembrete: confira o nome antes de anunciar. Porque em Barretos, até os erros têm palco — e toda eleição merece seu próprio enredo de novela.
E o Jota? Segue firme, com aquele sorriso amarelo de quem sabe que a história já virou lenda.
Sueli Fernandes

Referências:
SUZUKI, Matinas. Memórias de Um Vivente Obscuro. 1997. Ed. Giordano, São Paulo.
NERI, Sebastião. Folclore Político: 1950 Histórias. 1992. Geração Editorial. São

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