Quaresma e políticas públicas

 Quaresma e políticas públicas

Estamos às portas do tempo penitencial da Quaresma que nos prepara para celebrar dignamente os mistérios pascais da morte e ressurreição de Nosso Senhor Jesus Cristo! No Brasil, a cada ano, a CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil) propõe a realização, neste período, da Campanha da Fraternidade, que tem em 2019 o tema: “Fraternidade e Políticas Públicas” e o lema: “Serás libertado pelo direito e pela justiça” (Is 2,7).

Numa visão superficial pode parecer difícil entender a relação deste tema com o esforço quaresmal. Mas, se nos debruçamos no texto-base da CF nos damos conta de que “direito e justiça” e, consequentemente, “políticas públicas” estão intimamente ligadas ao esforço de conversão que deve nos conduzir à vida nova que o Senhor Jesus nos conquistou por sua morte e ressurreição.

Ao definir a missão dos seus discípulos, Jesus afirmou que se trata de ser “sal da terra”, “luz do mundo”, “fermento que leveda toda a massa”, ou seja, discípulos seus têm a missão de transformar o mundo com a força do Evangelho apoiada pelo seu testemunho.

O Papa Francisco diz que “uma fé autêntica – que nunca é cômoda nem individualista – comporta sempre um profundo desejo de mudar o mundo, transmitir valores, deixar a terra um pouco melhor depois da nossa passagem por ela (…). Embora a justa ordem da sociedade e do Estado seja dever central da política, a Igreja não pode, nem deve ficar à margem na luta pela justiça.

Todos os cristãos, incluindo os pastores, são chamados a preocupar-se com a construção de um mundo melhor”. Nossa ação evangelizadora não pode se restringir ao espaço das igrejas e nem se concentrar no cumprimento de deveres religiosos, mas para ser autêntica tem de transformar o mundo por dentro com a força dos valores evangélicos, e com a participação efetiva, seja na elaboração como na execução das políticas públicas.

Daí a importância do tema da CF-2019: “Fraternidade e Políticas Públicas”. O texto-base afirma que políticas públicas são aquelas ações discutidas, decididas, programadas e executadas em favor de todos os membros da sociedade. Não nos enganaríamos se disséssemos que elas são a forma organizada, ampla e eficiente de realizar a caridade.

O mesmo texto-base afirma que elas são a manifestação das obras de misericórdia, tão necessárias num tempo onde a misericórdia caiu no descaso. As políticas públicas são o cuidado evangélico com os irmãos. Elas são soluções específicas para as necessidades e os problemas da sociedade.

Não podemos ignorar que grandes conquistas nas últimas décadas são fruto de políticas públicas, ou seja, da ação insistente de grupos, movimentos, comunidades cristãs, organismos populares que enfrentaram e superaram pouco a pouco desafios que tornavam a vida difícil de populações inteiras.

Nesta perspectiva, é bom lembrar que entre as censuras que Jesus faz aos mestres religiosos e fariseus do seu tempo está no fato deles estarem preocupados com os detalhes da religião e descuidarem do que é mais importante para a revelação divina: a prática do direito, da misericórdia e da fidelidade (cf. Mt 23, 23). Jesus diz que “isto é o que deveríeis praticar sem descuidar daquilo”; ou seja, sem descuidar da vida de fé, da piedade e do amor a Deus, os mestres da Lei deveriam preocupar-se também em promover o bem-estar entre as pessoas, o reconhecimento da sua dignidade e o serviço ao bem comum pela prática do direito e da justiça.

Hoje, mais uma vez, Deus nos interroga como fez com Caim: “Onde está o teu irmão?”. Num tempo onde o egoísmo prevalece e a indiferença tornou-se a norma de conduta, Deus continua a nos perguntar: “Onde está o teu irmão?” Não são poucos os que respondem como Caim: “Desde quando me tornei guarda [responsável] do meu irmão?”. Estes certamente vão se espantar quando no juízo final ouvirem dos lábios de Jesus: “Todas as vezes que o fizestes aos mais pequeninos foi a mim que fizestes” (Mt 25).

Permitamos que o tema da Campanha da Fraternidade nos inquiete no tempo quaresmal que está por iniciar. Isso nos fará bem! Ao esforço de converter nossos corações diante da Palavra do Senhor, esforcemos também por converter nossas ações e atitudes para com os nossos irmãos.

Não deixemos que a voz do Senhor que clama por direito e justiça passe despercebida aos nossos ouvidos, pois já dizia o profeta Isaías: “Se deres do teu pão ao faminto, se alimentares os pobres, tua luz levantar-se-á na escuridão, e tua noite resplandecerá como o dia pleno” (Is 58,10).


Dom Milton Kenan Júnior é Bispo diocesano de Barretos

Redação

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