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Do lampião a eletricidade: a revolução luminosa em Barretos
Até 1911, Barretos vivia entre sombras e lampejos. As noites eram governadas por pequenos fachos de luz, frágeis e vacilantes, vindos dos lampiões espalhados pelas ruas. Quem garantia essa claridade era o acendedor de lampiões, figura hoje extinta, mas que outrora desempenhava um papel quase poético. Ao cair da tarde, lá ia ele com sua vara comprida, acendendo um a um os lampiões, como quem semeia estrelas no chão da cidade. No meio da noite, retornava para apagá-los, limpava os vidros três vezes por semana e cuidava para que a chama não se apagasse por descuido. Era o guardião da noite, o vigia da claridade, o homem que levava luz à cidade acendendo, manualmente, poste por poste.

Mas a precariedade da iluminação era um problema constante. Em 1893, a Câmara Municipal mandou instalar vinte lampiões na Rua Prudente de Moraes e no Largo da Matriz, regiões elitizadas. Logo vieram os protestos dos demais bairros, privados dessa melhoria. Em 1896, o cidadão Caetano Dori foi contratado para o serviço de iluminação pública, sob regulamento proposto por Silvestre de Lima, que já demonstrava sua preocupação com o progresso.
A ata da sessão da Câmara Municipal realizada em 18 de junho de 1896 registra as obrigações do concessionário. De acordo com o Regulamento para Iluminação Pública da Vila, ele ficava obrigado a instalar postes e lampiões a querosene de boa qualidade, com autonomia mínima de quatro horas de iluminação. Uma ressalva curiosa determinava que o empresário estava “proibido de colocar uma quantidade certa de querosene afim de fazê-lo se apagar por si, devendo os lampiões serem sempre apagados por pessoa encarregada de tal serviço”. Essa cláusula, proposta por Silvestre, oficializava a profissão hoje extinta de acendedor e cuidador de lampiões em Barretos.
O documento também trazia regras curiosas: os horários de funcionamento variavam conforme a época do ano, quase como um “horário de verão”. Nos meses quentes, acendiam-se das 19 às 23 horas; nos meses frios, das 18 às 22. Em dias de festas, procissões ou mesmo de lua cheia, o intendente podia prolongar ou reduzir o tempo de iluminação.
Hoje, acostumados às lâmpadas elétricas, quase não percebemos a luz natural da lua cheia. Mas, para os moradores de Barretos do século XIX, essa era uma economia preciosa: se a lua iluminava, o acendedor descansava.
Silvestre de Lima: o maestro da modernidade
Foi na gestão de Silvestre de Lima como prefeito que Barretos deu o salto definitivo rumo à modernidade. Ele compreendeu que a cidade precisava mais do que lampiões: precisava de eletricidade, de indústria, de transportes, de cultura. Sob sua administração, em 1909, ano de introdução do transporte ferroviário, aprovou-se a concessão para o frigorífico e para a energia elétrica — marcos que mudariam para sempre o destino da cidade.
Em 29 de janeiro de 1911, a energia elétrica foi inaugurada. O prefeito Silvestre não pôde comparecer, pois acompanhava sua esposa em tratamento médico na capital. Coube ao coronel Francisco Itagyba, seu amigo e aliado político, representá-lo. O sinal combinado para apagar os lampiões a gás e acender as lâmpadas elétricas era solene: “Fiat Lux”.
Mas a chave teimava em não funcionar, e o coronel repetiu várias vezes, como um encantamento: “Fiat Lux, Fiat Lux, Fiat Lux…” até que, finalmente, as luzes se acenderam em meio a risos e aplausos. A cidade, iluminada, abandonava o obscurantismo. Embora não estivesse presente fisicamente, era a mão de Silvestre que guiava aquele instante histórico.
O destino de Francisco Itagyba
Poucos anos depois, em março de 1916, o coronel Francisco Itagyba foi assassinado em frente à própria residência por adversários políticos. O episódio entristeceu profundamente Silvestre de Lima, que perdeu não apenas um correligionário, mas um amigo de lutas e conquistas.

Itagyba repousa no Cemitério da Paz, em um túmulo de mármore que mais parece uma obra de arte. Na cabeceira ergue-se um imponente obelisco, e na base repousa a escultura de um livro aberto — talvez uma metáfora pungente de uma vida interrompida antes de concluir sua narrativa. Sobre o livro, um galho de palmas parece desenhar um ponto de interrogação que se sobrepõe a uma cruz, a mim parece uma metáfora para refletir sobre a vida e a morte.
A cabeceira sustenta uma ermida de quatro pilares, ricamente adornada com arabescos em relevo e detalhes em curvas delicadas, que conferem movimento e leveza à estrutura. No interior, um anjo de mármore róseo, de beleza serena, mantém as mãos postas em prece. É a imagem da fé, da intercessão divina, da esperança na vida após a morte. Representa a alma que, após os conflitos terrenos, busca finalmente a paz.
O barulho do progresso
Nem tudo foi perfeito. A termoelétrica instalada na praça Francisco Barreto, em pleno centro da cidade, produzia não apenas energia, mas também um barulho ensurdecedor. O maquinário não deixava ninguém dormir. Foi preciso transferi-la para outro local, mais afastado, na avenida 1 próximo à rua 14. O progresso, afinal, também ronca.
Mas nada apagava o brilho da modernidade que chegava. Em 1913, o frigorífico consolidava o avanço industrial. Teatros, cabarés, alfaiates e casas comerciais surgiam para atender a uma população em crescimento. A água encanada, o trem em 1909 e a energia elétrica em 1911 redesenhavam o espaço urbano. Barretos já não era a “roça” descrita nos jornais da metrópole, mas uma cidade que se reinventava cultural e economicamente pelas mãos de Silvestre de Lima.
Os postes abastecidos com energia elétrica deveriam iluminar as vias públicas desde o pôr do sol até o seu nascimento, distinguindo-se das regras dos lampiões a gás e influenciando novos hábitos.
Os primeiros concessionários foram o dr. Moyses Marx e o cel. José Romão Junqueira, com a posterior transferência para a empresa Orion, responsável pelo fornecimento de energia. Esta abastecia apenas a cidade de Barretos. Composta por um grupo de empreendedores, poucos anos depois foi adquirida pelo conglomerado de empresas de energia elétrica controlado por Armando Salles Oliveira, engenheiro, jornalista, político e genro de Júlio Mesquita, proprietário do jornal O Estado de S. Paulo.
Em 1947, a Empresa Elétrica Orion de Barretos S.A. foi incorporada à Companhia Paulista de Força e Luz (CPFL), consolidando definitivamente a história da energia na cidade.
Hoje, quando vemos a fachada do Museu Histórico, Artístico e Folclórico “Ruy Menezes” belissimamente iluminada para o Natal, cortesia de Os Independentes, nem imaginamos que a inauguração da energia elétrica em Barretos aconteceu exatamente ali, na antiga sede da prefeitura, numa noite de alegria, risos e ingresso num novo tempo — tempo de luz e modernidade.
E vale recordar que tudo começou na gestão de Silvestre de Lima. Ele foi o responsável por transformar lampiões em lâmpadas, sombras em claridade, rotina em modernidade.
