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João Batista da Rocha: O Tatu que Cavou o Futuro

 João Batista da Rocha: O Tatu que Cavou o Futuro
  • Por Sueli Fernandes  

João Batista da Rocha nasceu no distrito do Prata em 5 de janeiro de 1914. Aos quinze anos já trabalhava na empresa Roqueti & Santos, mas não demorou a trocar o ofício pelo chamado da história. Três anos depois, abandonou os livros e o emprego para se lançar nas trincheiras da Revolução Constitucionalista de 1932. O movimento, liderado por São Paulo contra o governo provisório de Getúlio Vargas, clamava por uma nova Constituição e maior autonomia política. Embora derrotados nas armas, os paulistas venceram na memória: em 1934, o Brasil conquistaria uma nova Carta Magna.

Capacete usado por João Batista na Revolução de 32, com marca de bala. Acervo: Museu “Ruy Menezes”.  

No Porto Tabuado, Rocha serviu ao lado de cerca de cem barretenses. Foi ali que protagonizou uma cena que se tornaria lenda. Em meio ao caos da guerra, armado não apenas de coragem, mas também de remédios e cigarros, decidiu atravessar o Rio Grande em uma frágil canoa para propor uma trégua ao inimigo. E, surpreendentemente, conseguiu. Por alguns instantes, o diálogo silenciou os tiros, como se a guerra tivesse parado para um improvável “cafezinho”.  

Vista Aérea da Ilha das Flores, 28 de novembro de 1936. São Gonçalo, RJ / Acervo Museu Aeroespacial – fonte: https://brasilianafotografica.bn.gov.br

Animado com o êxito, João tentou repetir a façanha dias depois. Mas, como se diz, “azar também atravessa rios”. Na segunda incursão, sua sorte ficou na margem paulista. Capturado junto ao companheiro Jesus Vieira do Nascimento, o “Pombo” que, ironicamente, não voou para longe do perigo, viu-se prisioneiro dos mineiros. Outros seis colegas que tentaram resgatá-los tiveram o mesmo destino. Todos foram enviados para a ironicamente batizada, Ilha das Flores, no Rio de Janeiro.  

Foto 2 – Legenda: Vista Aérea da Ilha das Flores, 28 de novembro de 1936. São Gonçalo, RJ / Acervo Museu Aeroespacial – fonte: https://brasilianafotografica.bn.gov.br

Antiga hospedaria de imigrantes e quarentena de viajantes no século XIX, a ilha transformara-se em prisão em diferentes períodos da história. Ali, João e seus companheiros dividiram espaço com outros três mil combatentes. Mal alimentados, descalços e malvestidos, ainda encontravam forças para desafiar a ditadura de Vargas com discursos improvisados, músicas e canções satíricas.  

A revolução terminara e, com ela, o cárcere. João foi um dos primeiros a conquistar a liberdade. Mas o retorno não se deu em clima de vitória. Saiu da experiência exausto, maltrapilho e sem recursos sequer para a viagem de volta. Durante três dias vagou pela capital federal, buscando meios de regressar. Sem opções, improvisou: escondeu-se sob a lona de um vagão da Estação Ferroviária Central, rumo a São Paulo.  

A fome, porém, não se deixa enganar. Num instante de rendição, João entregou-se ao guarda que saboreava chá e biscoitos. Sua história sensibilizou o vigia e outras almas generosas que cruzaram seu caminho. Uma senhora lhe ofereceu um pão recheado com um suculento bife — lanche que jamais esqueceria, pois lhe devolveu forças para seguir viagem. Assim, em 16 de outubro, o incansável João Batista da Rocha chegava a Barretos, encerrando sua jornada com uma mistura de ousadia e resiliência.  

Anos mais tarde, trocaria as trincheiras pela política. Eleito prefeito em 1964, ganhou o apelido de “Tatu”, não por se esconder, mas por saber cavar soluções: abrir ruas e avenidas, investir em redes de água, transformar a cidade com trabalho persistente.  

Seu maior legado viria pela educação. Em 25 de agosto de 1964, no aniversário de 110 anos de Barretos, anunciou a criação da primeira faculdade da cidade: a Faculdade de Engenharia, hoje Centro Universitário da Fundação Educacional de Barretos (UNIFEB). Contou com o apoio do professor Roberto Frade Monte, da Universidade Mackenzie, mas enfrentou descrédito e resistência. João, porém, já sabia desde os tempos da guerra: persistência vence descrença.  

Assinatura em praça pública do decreto nº 1.032, de 25 de agosto de 1964, que criou a Fundação Educacional de Barretos.

A assinatura da Lei Municipal nº 1.032, em praça pública, oficializou a Fundação Educacional de Barretos, transformando o aniversário da cidade em símbolo de visão e determinação. Ainda assim, não bastava a lei: era preciso concretizar o sonho. Muitos criticaram, poucos acreditaram. Mas a imprensa local ofereceu incentivo. O jornal A Semana, em 2 de agosto de 1964, registrava: “preocupação máxima, sempre presente ao espírito do digno prefeito João Batista da Rocha, que se tem empenhado obstinadamente nesse ideal” e finaliza a nota, encorajando-o “Concretizando tão esplendido ideal, ficará Barretos a dever ao sr. João Batista da Rocha esse enorme passo em favor de seu progresso, pelo que A SEMANA se congratula efusivamente com a garbosa mocidade de nossa terra e com o ilustre homem público que ocupa a Prefeitura Municipal”.

Para compreender a dimensão da conquista, é preciso lembrar o contexto da época: não havia faculdades de engenharia na região. Ribeirão Preto, Araraquara, São José do Rio Preto e Piracicaba só abririam suas escolas depois. O professor Flávio Castilho, um dos primeiros da entidade, recorda em entrevista ao O Diário (suplemento especial de agosto de 2013): “A ideia da criação da escola surgiu em 1964. A partir daí, organizamos um grupo de professores para o primeiro e segundo ano do curso, pois naquela época, para a abertura de uma faculdade, deveríamos apresentar o quadro completo. Em 65, entramos com o processo para autorização, preparamos os horários das aulas e todos os professores do primeiro ano deixaram os dias vagos caso a escola fosse autorizada estaria tudo pronto”.   Alguns professores até mudaram o endereço residencial para Barretos para impedir qualquer nulidade.

A Fundação Educacional de Barretos iniciou sua trajetória em um prédio alugado na avenida 29, entre as ruas 18 e 20. Em 1967, a prefeitura adquiriu um terreno e o doou à instituição, permitindo que, no ano seguinte, a FEB passasse a funcionar em sede própria. Os primeiros cursos oferecidos: Engenharias Elétrica-Eletrônica e Civil, além de Matemática, Física e Química — representavam um salto ousado para uma cidade que até então não conhecia o ensino superior.  

Mas o caminho não foi sem pedras. João Batista da Rocha enfrentou tropeços e até rasteiras. Seu sucessor na prefeitura, Christiano Carvalho, quase fechou a faculdade, descrente da capacidade de Barretos em sustentar um curso superior. Com ironia, referia-se aos professores que vinham de São Paulo de trem como um “trem de professores”, numa demonstração de indiferença ao sacrifício daqueles que se dedicavam ao sucesso da instituição.  

Outro marco de sua gestão viria em 1969, com a inauguração do primeiro Ginásio de Esportes da cidade, o “Rochão”. O nome nasceu de uma reportagem da Gazeta de São Paulo, que o celebrava como “Rochão Palco Iluminado”. Em um cenário urbano ainda modesto, o ginásio não era apenas uma obra física: era símbolo de progresso social e cultural, espaço de encontro e integração.  

Com sua arquitetura robusta e generosa, o Rochão foi pensado para acolher esportes, eventos culturais e momentos de convivência. Ali, talentos esportivos encontraram palco para brilhar, e a cidade ganhou um espaço que se tornaria central em sua história.  

O ginásio, mais que concreto e arquibancadas, tornou-se símbolo da visão do prefeito Rocha, que ousou investir no bem-estar coletivo.

Na encruzilhada entre passado e futuro, o legado de João Batista da Rocha — o querido Tatu — permanece vivo. Não apenas nos prédios da faculdade ou no Rochão, mas sobretudo nos sonhos e aspirações de todos que atravessam suas portas em busca de um amanhã melhor. Barretos segue reinventando-se, escrevendo sua história com traços firmes de conhecimento e esperança.  

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