Barretos encerra Semana Nacional de Trânsito com ação no Centro
Barretos em concreto e poesia

Catedral do Divino Espírito Santo em Barretos. (Acervo Museu Ruy Menezes)

Há prédios que abrigam pessoas. E há aqueles que abrigam o tempo. Em Barretos, quatro construções não apenas resistem às décadas, elas respiram, sentem e falam. Com pulmões de concreto e alma de artista, elas carregam a assinatura de dois nomes que mereciam estátua com sombra e placa dourada: Cesar Tonelli (ou irmãos Tonelli) e Pagani Fioravanti.
Esses visionários chegaram à cidade no fim do século XIX com mãos calejadas e olhos que enxergavam além da matéria. Não eram apenas construtores. Eram alquimistas da estética. Onde outros viam tijolos, eles viam identidade.
A Catedral do Divino Espírito Santo, iniciada em 1893, é um manifesto silencioso que conta com relevante contribuição dos irmãos Tonelli e Fioravanti. Com porte neoclássico e estilo eclético, ela acolhe o visitante com uma sinfonia de influências: greco-romano, renascentista, barroco… tudo em harmonia, sem disputa de protagonismo. Em 1920, a igreja foi dada por concluída, com o presbitério e sua cúpula octogonal terminados, porém, sem elementos decorativos.
As pinturas italianas assinadas por Theodósio Morescalchi foram introduzidas na década de 1940 e sussurram beleza nas paredes e no teto, enquanto os vitrais feitos com cristais belgas e chumbo, todos comprados da “Casa Conrado Ltda.”, de São Paulo, inaugurados em 1934, transformam a luz em espetáculo. Cada raio de sol entra, ilumina, emociona e se retira com elegância.
Irmãos Tonelli e Fioravanti deram forma à espiritualidade da cidade.
Em 1906, veio o Paço Municipal. E Cesar Tonelli foi além da estética: pensou em funcionalidade quando Barretos ainda vivia à luz de lamparinas. Janelas amplas, ventilação cruzada, iluminação natural… tudo planejado com precisão. Foi o único prédio construído exclusivamente para abrigar o Poder Executivo Municipal. Os demais são adaptações.
A fachada é uma obra à parte. Torres de inspiração medieval flanqueiam o edifício como sentinelas, enquanto duas águias no topo vigiam com olhar firme: símbolos de força e visão, introduzidos no centenário da Independência. Como no Palácio do Catete, elas parecem dizer: “Aqui se decide o rumo da cidade.”

O prédio já foi considerado o mais belo da cidade. Osório Rocha, em seu livro Esboços, escreveu: “O Paço era, na cidade, o único lugar habitável; era um oásis, o refúgio sagrado […] e, sobretudo, a pintura das ditas paredes, que era tida na conta de obra prima.”
Infelizmente, desde os anos 1920, camadas de tinta vêm silenciando essas obras-primas. Mas o prédio resiste. Hoje abriga o Museu Histórico, Artístico e Folclórico “Ruy Menezes”, guardião da memória barretense. Cada objeto ali é uma testemunha do tempo. Cada sala, um abraço na identidade local.
Fioravanti também deixou sua marca em dois casarões de 1910, na esquina da Avenida 23 com a Rua 18. Ele revolucionou a dinâmica espacial ao transferir a entrada principal para a lateral: um gesto de sofisticação e privacidade. Na imagem ao lado, temos em segundo plano, o prédio
que hoje pertence à associação Os Independentes, foi construído para o Major Elyseu Ferreira de Menezes. Telhas e ladrilhos franceses, calhas de cobre e ornamentos que desafiam a lógica da época. Ruy Menezes descreve com poesia os seus detalhes: “Ogivas que se bifurcam no alto, permitindo que, no meio delas, novas ogivas sejam formadas e desçam dois pesos de tijolos, como se fossem estalactites […] pendurados como estão, considerando que naquela época não existia concreto.”

Em primeiro plano, destaca-se outro casarão construído por Fioravanti. Este exibia murais belíssimos. Hoje, só restam fotografias. Ambos ilustraram cartões postais, eternizando o charme da cidade. Os cartões postais amplamente utilizados na época visavam atrair olhares e novos moradores para a cidade que se modernizava.
E como se não bastasse, Fioravanti também foi responsável pela construção do primeiro prédio da Santa Casa de Barretos, uma contribuição essencial para a saúde da cidade.
Tonelli e Fioravanti compartilhavam uma preocupação genuína com o bem-estar dos moradores: pensavam na ventilação, na luz natural, na proteção contra a umidade. Introduziram ornamentos e soluções arquitetônicas que eram tão inteligentes quanto belas.
Mas nem só de glória vive um mestre. Cesar Tonelli sofreu um acidente gravíssimo e teve a perna amputada com um serrote. Sim, um serrote. Na ausência de anestesia moderna, os médicos recorriam a whisky, éter ou clorofórmio. Era medicina com coragem e improviso. E Tonelli sobreviveu — como suas obras.
Os prédios seguem firmes, belos, simbólicos. Como se dissessem, em silêncio e com leve sotaque italiano: “Aqui, a história vive.”
Em tempo: que tal transformar o centro de Barretos em verdadeira sala de aula a céu aberto? A Prefeitura da Estância Turística de Barretos poderia instalar totens informativos junto aos prédios históricos, revelando ao público os segredos da arquitetura, os nomes por trás das obras e os capítulos que moldaram a cidade. Seria um gesto simples, mas poderoso, capaz de despertar pertencimento, motivar a curiosidade de visitantes e valorizar o patrimônio como este merece: com luz, contexto e reverência.
Sigo à disposição para colaborar com iniciativas que promovam essa valorização.
