Justiça obriga Prefeitura de Barretos a pagar benefícios a servidores públicos
Em um veredicto que reverberou no cenário político e administrativo local, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo proferiu uma sentença que condena a Prefeitura Municipal de Barretos a implementar e pagar os benefícios de evolução acadêmica, evolução não acadêmica e progressão bienal aos seus servidores. A decisão, assinada nesta quinta-feira (26), pela 2ª Vara Cível de Barretos, rejeitou as alegações do município sobre a falta de disponibilidade orçamentária, destacando a obrigatoriedade do cumprimento da lei.
A ação foi movida pelo Sindicato dos Servidores Públicos Municipais de Barretos (SSPMB) contra o Município de Barretos, com o processo de número 1003652-33.2025.8.26.0066. A entidade sindical argumentou que a prefeitura vinha descumprindo a Lei Complementar Municipal nº 300/2016, que instituiu tais direitos, causando prejuízos financeiros, morais e emocionais aos trabalhadores.
O centro da controvérsia: benefícios e a Lei Municipal
As verbas em questão — evoluções acadêmicas, não acadêmicas e progressão bienal — são previstas na Lei Complementar Municipal nº 300/2016. Essas progressões são cruciais para a carreira dos servidores, incentivando a capacitação e o aperfeiçoamento profissional.
De acordo com o processo, as evoluções acadêmicas são concedidas a servidores que concluem cursos de capacitação, aperfeiçoamento, especialização, mestrado ou doutorado relacionados às suas funções. As evoluções não acadêmicas, por sua vez, são destinadas àqueles que demonstram notório saber ou experiência profissional reconhecida. Já a progressão bienal é um benefício concedido a cada dois anos de efetivo exercício, mediante avaliação de desempenho satisfatória.
O sindicato afirmou que as reclamações contra o município eram crescentes e que, inclusive, um vereador local, Ricardo Batista da Rocha, o “Bodinho” (PP), já havia questionado formalmente a prefeitura sobre o não pagamento dessas verbas em 2025. A própria prefeitura, em resposta a esse questionamento, teria confessado a ausência dos pagamentos, informando que os processos estavam aguardando “disponibilidade financeira para a implantação em folha de pagamento e pagamento retroativo à data de requerimento”.
Defesa municipal e a alegação de “reserva do possível”
Em sua defesa, o Município de Barretos levantou a preliminar de ausência de interesse de agir do sindicato, argumentando que o direito dos servidores já havia sido reconhecido, e os pagamentos estavam sendo organizados conforme a disponibilidade orçamentária. A prefeitura invocou princípios como a legalidade orçamentária (Artigo 37 da Constituição Federal) e a “reserva do possível”, tese que defende que a efetivação de certos direitos sociais estaria condicionada à existência de recursos públicos.
A administração municipal também alegou que o pagamento integral das verbas impactaria diretamente os limites de gastos com pessoal previstos na Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei Complementar nº 101/2000), demandando uma análise técnica aprofundada dos reflexos orçamentários.
A Decisão da Justiça: Lei Acima da Alegação de Falta de Verba
O Juiz de Direito Luiz Fernando Silva Oliveira, responsável pela sentença, rejeitou a preliminar do município. No mérito, a decisão foi clara: a prefeitura não pode reconhecer o direito e, ao mesmo tempo, alegar falta de verba para o pagamento. O magistrado enfatizou que o princípio da legalidade, que rege a Administração Pública, impõe que ela só pode fazer o que a lei autoriza ou determina.
Sentença Judicial
“No caso em exame, a Lei Complementar Municipal 300/2016 estabeleceu de forma cogente os institutos de evolução acadêmica, evolução não acadêmica e progressão bienal, criando direito subjetivo aos servidores que preencham os requisitos legais. O cumprimento de tal norma não constitui faculdade da Administração, mas dever legal vinculado à Lei Complementar 300/2016.”
A decisão ressaltou que, quando uma lei que cria ou aumenta despesa pública é aprovada, presume-se que houve previsão orçamentária para tal. Caso contrário, seria uma irregularidade passível de investigação pelos órgãos de controle. O juiz também invocou os princípios da segurança jurídica e da eficiência, afirmando que a negativa de implementação dos benefícios viola a expectativa legítima dos servidores e compromete a gestão administrativa.
O desafio da “reserva do possível” e as soluções constitucionais
Um dos pontos centrais da sentença foi a desconstrução do argumento da “reserva do possível”. O magistrado destacou que essa tese não pode ser uma justificativa genérica para o não cumprimento de obrigações legais, especialmente quando a própria administração criou o direito. A decisão apontou que a Constituição Federal (Artigo 169) e a Lei de Responsabilidade Fiscal preveem mecanismos para lidar com a limitação orçamentária.
Sentença Judicial
“Ora, se o Município de Barretos reconhece o direito dos servidores públicos aos benefícios de evolução acadêmica, evolução não acadêmica e progressão bienal, isso significa que ele, Município de Barretos, está afirmando que a Lei Complementar Municipal 300/2016 está de acordo com o ordenamento jurídico. E se a lei municipal está de acordo com o conjunto do ordenamento jurídico pátrio é porque o Chefe do Poder Executivo, ao sancionar a LCM 300/2016 e suas normas alteradoras, constatou a existência da fonte para o custeio das despesas criadas pela própria Lei.”
A sentença detalhou as medidas que o município deveria adotar caso a alegação de falta de verba fosse realmente comprovada com dados concretos:
- Redução de Despesas: Diminuir em pelo menos 20% as despesas com cargos em comissão e funções de confiança.
- Exoneração de Servidores Não Estáveis: Demissão de funcionários públicos sem estabilidade.
- Exoneração de Servidores Estáveis: Em último caso, se as medidas anteriores não fossem suficientes, iniciar o processo de exoneração de servidores estáveis, seguindo as normas constitucionais.
O juiz foi enfático ao afirmar que a solução para a falta de recursos não é descumprir a lei, mas sim adotar as providências constitucionais para ajustar o orçamento.
Consequências e próximos passos
Com a procedência da ação, o Município de Barretos foi condenado a implementar os benefícios de evolução acadêmica, não acadêmica e progressão bienal para todos os servidores que preencherem os requisitos da Lei Complementar Municipal nº 300/2016. Os efeitos da sentença retroagem à data de distribuição da ação, 23 de abril de 2025.
No entanto, o pagamento dos valores vencidos e não pagos dependerá de cumprimento individual da sentença por cada servidor. Isso significa que, após a confirmação da decisão pelo Tribunal de Justiça em recurso de apelação ou reexame necessário, os servidores precisarão buscar individualmente o recebimento dos valores, que poderão ser pagos via precatório ou Requisição de Pequeno Valor (RPV), conforme o montante devido. A sentença não concedeu a tutela de urgência (pagamento imediato) devido à natureza irrepetível das verbas.
O juiz sugeriu que o acordo parcelado promovido pelo sindicato com o Município de Barretos pode ser uma alternativa mais vantajosa para os servidores. A decisão também determinou que cópias da sentença fossem remetidas ao Tribunal de Contas do Estado de São Paulo e ao Ministério Público local, para conhecimento e possíveis providências sobre a gestão fiscal do município.
A prefeitura de Barretos ainda pode recorrer da decisão, levando o caso para instâncias superiores do judiciário. Enquanto isso, a expectativa é grande entre os servidores públicos, que veem nesta sentença um reconhecimento de seus direitos e um passo importante para a valorização de suas carreiras.
Outro lado
Para manter a imparcialidade e o rigor jornalístico, é fundamental buscar o posicionamento de todas as partes envolvidas. No entanto, até o momento, a Prefeitura Municipal de Barretos não se manifestou oficialmente sobre a decisão judicial. A equipe de reportagem permanece à disposição para registrar o parecer do Executivo municipal assim que for emitido.