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Justiça Federal condena União, Estado e Municípios por omissão em áreas de preservação do Rio Pardo

 Justiça Federal condena União, Estado e Municípios por omissão em áreas de preservação do Rio Pardo

Uma decisão histórica da 1ª Vara Federal de Barretos, proferida no dia 13 de junho de 2025, condenou a União Federal, o Estado de São Paulo, a Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (CETESB), os municípios de Barretos, Guaíra e Jaborandi, e a Companhia Paulista de Força e Luz (CPFL) a cumprirem uma série de obrigações para coibir e reverter a ocupação irregular de Áreas de Preservação Permanente (APPs) às margens do rio Pardo. A sentença atende a uma Ação Civil Pública movida pelo Ministério Público Federal (MPF), que denunciou a inércia dos entes públicos e da concessionária diante de centenas de construções irregulares, conhecidas como “ranchos de lazer”, que causam graves danos ambientais.

A matéria detalha as condenações específicas para cada réu, as medidas imediatas de prevenção e a recomendação de um grupo de trabalho para assegurar a proteção ambiental na região.

O cenário da degradação: ranchos em áreas protegidas

A Ação Civil Pública foi embasada em um Inquérito Civil (nº 1.34.035.000018/2016-46) que apurou a existência de inúmeras edificações em Áreas de Preservação Permanente (APPs) às margens do rio Pardo, abrangendo os municípios de Barretos, Guaíra e Jaborandi. A investigação revelou a presença de pelo menos 277 construções irregulares, muitas delas providas de acesso viário, energia elétrica e coleta de lixo.

De acordo com o Ministério Público Federal, essas ocupações resultaram em “danos ambientais relevantes”, incluindo “supressão de vegetação nativa, assoreamento, poluição e degradação do curso d’água”, conforme descrito no processo judicial. O MPF alegou que os órgãos e entidades públicas, bem como a CPFL, falharam em adotar “providências eficazes para coibir ou sanar os danos ambientais”, citando “ausência de fiscalização adequada”, “inexistência de processos administrativos de demolição” e até mesmo o “fornecimento de infraestrutura básica às ocupações ilícitas”.

A batalha judicial: defesas e fundamentação

Diante da inércia constatada, o MPF buscou na Justiça a imposição de medidas administrativas e judiciais para a desocupação, demolição e recuperação das áreas degradadas. Inicialmente, os réus, incluindo CETESB, CPFL, União, Estado de São Paulo e os três municípios, manifestaram-se contra o pedido de tutela de urgência. Eles argumentaram, entre outras coisas, ilegitimidade passiva e ausência de competência para fiscalizar ou intervir nas áreas.

A Justiça, no entanto, rejeitou as preliminares de ilegitimidade passiva e ausência de interesse de agir. A sentença enfatiza que a responsabilidade pela proteção ambiental é “comum ou compartilhada” entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, conforme o artigo 23 da Constituição Federal de 1988. A Lei Complementar nº 140/2011 também reforça essa “ação integrada e coordenada”.

No caso da CPFL, a condenação baseou-se no entendimento de que “o fornecimento de infraestrutura (como energia elétrica) em áreas indevidamente ocupadas contribui para a consolidação da degradação ambiental e para a perpetuação de ocupações irregulares em área protegida”.

Um ponto crucial da decisão judicial, conforme destacado no processo, é a inaplicabilidade da “teoria do fato consumado” em questões ambientais. A sentença cita a Súmula 613 do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que afirma: “Não se admite a aplicação da teoria do fato consumado em tema de Direito Ambiental”. Isso significa que construções irregulares em APPs devem ser demolidas e as áreas recuperadas, independentemente do tempo de sua existência, visando desestimular novas ocupações ilegais.

As condenações detalhadas

A sentença do dia 13 de junho de 2025 estabeleceu as seguintes obrigações para cada réu:

União Federal: revisão do Programa “Luz para Todos”

A União foi condenada a “promover, no prazo de até 180 (cento e oitenta) dias, a revisão concreta e individualizada de todos os benefícios e subsídios concedidos no âmbito do programa ‘Luz para Todos’ (ou equivalente)” que favoreçam construções em APP do rio Pardo. A decisão especifica que esta revisão deve ser feita “com base em critérios técnicos, legais e ambientais, inclusive mediante cooperação com o Conselho de Monitoramento e Avaliação de Políticas Públicas – CMAP” e com a CPFL.

O juízo refutou o argumento da União de que não teria servidores para essa tarefa, apontando a existência do CMAP. Também desconsiderou a alegação de prescrição, afirmando que programas de subsídio são sujeitos a revisões contínuas.

Estado de São Paulo e CETESB: fiscalização e processos administrativos

O Estado de São Paulo e a CETESB foram condenados a “promoverem, no prazo de até 120 (cento e vinte) dias, a fiscalização de todas as construções localizadas na APP do rio Pardo” nos municípios de Barretos, Guaíra e Jaborandi. Além disso, devem “instaurar os correspondentes processos administrativos ambientais, nos termos da Lei nº 9.605/98”, fundamentando as sanções aplicadas ou justificando a não aplicação.

A decisão salienta a omissão de ambos, apesar de suas competências legais, citando a Lei Complementar nº 140/2011 e a Lei Estadual nº 118/73, que confere poder de polícia à CETESB.

Municípios (Barretos, Guaíra e Jaborandi): fiscalização cooperativa e revisão de atos

Os municípios foram condenados a iniciar, “de forma cooperativa, em conjunto com o Estado de São Paulo e a CETESB, a fiscalização das construções existentes na APP do Rio Pardo” em seus territórios, instaurando processos administrativos. Devem também “revisar, no prazo de até 120 (cento e vinte) dias, todos os atos administrativos, incluindo licenças, autorizações, alvarás e permissões, que tenham autorizado supressão de vegetação, ocupação ou qualquer intervenção antrópica na APP do rio Pardo, inclusive em relação à infraestrutura (como ligações de energia elétrica)”.

A sentença destaca que, embora o Estado tenha a obrigação principal, os municípios também têm responsabilidade, especialmente por terem “tolerado ou se omitido” e, em muitos casos, “colaborado com a sua consolidação” ao conceder licenças indevidas.

CPFL: exigência de regularidade ambiental

A Companhia Paulista de Força e Luz (CPFL) foi condenada a “exigir, no prazo de até 90 (noventa) dias, de todos os atuais consumidores com unidades localizadas na APP do rio Pardo”, a apresentação de “certidão de regularidade ambiental expedida pela CETESB ou pelo IBAMA, ou outro documento equivalente”. Caso não apresentem, a CPFL deverá “notificar os consumidores inadimplentes”, concedendo um prazo de até 30 dias para regularização, sob pena de suspensão do fornecimento de energia.

A decisão ressalta que as Resoluções Normativas da ANEEL (nº 1.000/2021 e 414/2010) já preveem a necessidade de licença ambiental para instalações em áreas protegidas. A sentença também permite que o consumidor declare, sob pena de falsidade ideológica, que o imóvel é seu domicílio permanente, listando os residentes e se possuem outro imóvel. A CPFL deverá ainda fornecer dados aos demais réus para cumprimento de suas obrigações.

Medidas Imediatas e Cooperação Interinstitucional

Além das condenações de mérito, a Justiça Federal concedeu tutela antecipada (medidas de urgência) para situações futuras, visando evitar novos danos ambientais:

  • CPFL: Deve se abster de realizar novas ligações de energia elétrica sem autorização expressa da CETESB ou do IBAMA.
  • União: Deve cessar imediatamente a concessão de novos subsídios ao fornecimento de energia elétrica em construções nas APPs do rio Pardo sem autorização ambiental explícita e análise socioeconômica.
  • Municípios: Devem se abster de fornecer novas autorizações para supressão de vegetação, licenciamento ambiental, novas ligações elétricas ou abertura/manutenção de vias de acesso em APPs, salvo com prévia autorização da CETESB ou do IBAMA.

Entretanto, o pedido do MPF para corte imediato de “gatos de energia” pela CPFL e a abstenção dos municípios de conceder qualquer instrumento jurídico para regularização de construções em APP foram indeferidos. A Justiça considerou que a situação de “gatos” não possui periculum in mora comprovado e que a proibição de regularização seria desproporcional, uma vez que a ilegalidade da construção já impede sua regularização.

A sentença também “faculta aos réus” a criação de um “Grupo de Trabalho Interinstitucional” para coordenar, planejar e executar as medidas. Caso esse grupo seja instituído, os prazos das condenações começarão a correr 30 dias após sua formalização, permitindo uma ação mais articulada entre os envolvidos.

O descumprimento de qualquer uma das obrigações impostas implicará em uma multa diária de R$ 5.000,00, além da possibilidade de execução específica das medidas. A decisão, proferida no dia 13 de junho de 2025, marca um precedente importante na responsabilização de entes públicos e empresas pela proteção das APPs no Brasil.

Igor Sorente

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