Onde a verdade encontra a democracia.
DESDE 2015

Almeida Pinto: O coronel com três apelidos e nenhum limite

 Almeida Pinto: O coronel com três apelidos e nenhum limite

Cel. João Carlos Almeida Pinto. Fonte: MENEZES, Ruy; TEDESCO, José. Álbum do Centenário de Barretos, 1954. p. 198. Acervo: Museu “Ruy Menezes”.

O coronel Almeida Pinto segue imortalizado como patrono da escola da Rua 4 e da cadeira número 7 da Academia Barretense de Cultura — posições que, diga-se de passagem, combinam com sua vocação para marcar território (e história). No passado, foi um dos fundadores de instituições que moldaram Barretos, agitador político com talento para causar reviravoltas, juiz de paz com pulso firme e tino cômico, cronista com faro para os absurdos cotidianos, maçom dedicado e republicano fervoroso. Tanta personalidade não passou despercebida: Barretos o apelidou generosamente com três títulos que viraram lenda — Anchieta de Barretos, Pinto Louco e João Bobo.

Anchieta de Barretos: Quando a República virou alvo de ferrões
A transição da monarquia para a república em 1889 não aconteceu em clima de festa. Pelo contrário — foi marcada por resistências, temores e boatos que encontravam eco nas crenças populares e nos costumes arraigados. Um episódio emblemático, digno de enredo novelesco, ocorreu em 13 de setembro de 1890.
Dezoito homens do bairro Marimbondo — hoje Usina de Marimbondo Icém, na divisa de São Paulo com Minas Gerais — chegaram a Barretos impelidos por uma notícia alarmante: os republicanos estariam prestes a incendiar a igreja e trucidar o vigário.
Era pura fake news — versão oitocentista. A informação circulou sem base, alimentada por medo, religiosidade e resistência ao novo regime. O resultado foi uma cena quase cinematográfica, registrada assim pelo Correio Paulistano, em 25 de setembro de 1890:
“[…] uma chusma de 18 maribondos, homens sertanejos do bairro Maribondo, distante desta vila 17 léguas, que, bem intencionados pela fé religiosa, apresentaram-se impavidamente ao nosso ilustrado vigário, oferecendo-lhe ferrões e venenosos para salvá-lo e a santa igreja, que deviam ser esta queimada, e aquele trucidado pelos republicanos […]”
Em vez de confronto, houve conversa. Almeida Pinto, que entendia o valor de uma boa palavra, acalmou o enxame com diplomacia e bom senso. Explicou, argumentou, catequizou — não com sermões, mas com inteligência.
Foi nesse dia que o apelido Anchieta de Barretos colou de vez. Como o jesuíta que ensinava pela fé, o coronel ensinou pela razão. Enfrentou a desinformação com diálogo, mais de cem anos antes de o termo “fake news” se tornar manchete.

Pinto Louco: O educador mal interpretado
Ainda nos anos 1890, Almeida Pinto fundou uma escola em Barretos. Visionário, quis dar um toque erudito à fachada e mandou gravar em latim: AVE LUX — “Salve, luz”. Um gesto nobre, mas que caiu nas mãos da criatividade popular.
Como o latim não era exatamente o idioma do povo, a inscrição foi interpretada assim:

  • AVE? “É Pinto.”
  • LUX? “É Louco.”
    E pronto: nasceu a Escola do Pinto Louco. O apelido colou como apelido de infância — e o coronel, já conhecido por seu jeito excêntrico, virou lenda urbana. Um educador que queria iluminar mentes, mas acabou virando personagem de piada carinhosa.

João Bobo: O cronista que ria de tudo
E como se não bastasse, Almeida Pinto também escrevia crônicas bem-humoradas no jornal O Sertanejo, fundado em 1900. Sob o título “Crônicas da Terra”, usava o pseudônimo João Bobo para comentar o cotidiano da cidade com leveza, ironia e um olhar afiado. Seus textos são registros vivos da Barretos de outros tempos, com personagens, costumes e causos eternizados em tinta e papel.

O coronel excêntrico: Entre cabrestos, casamentos e bilhetes misteriosos
A fama de excêntrico não veio à toa. Dizem que, quando ainda morava em Jaboticabal, Almeida Pinto se irritou tanto com um juiz durante uma audiência que saiu, comprou um cabresto e voltou aos gritos dizendo que ia colocá-lo no magistrado — porque ele era muito burro.
Já em Barretos, como juiz de paz, protagonizou uma cena digna de comédia romântica: numa cerimônia de casamento arranjado, trocou os nomes dos noivos e formou dois casais diferentes dos previstos. E o mais curioso? Os noivos gostaram da troca. De casamento arranjado por famílias, virou casamento rearranjado por Almeida Pinto.
E quando tentaram fundar uma agremiação sem sua presença, os organizadores chegaram à reunião e encontraram um envelope sobre a mesa. Dentro, um bilhete do coronel parabenizando a iniciativa — e doando um terreno para a sede. Como ele soube? Mistério. Mas o recado estava claro: em Barretos, nada se criava sem passar por Almeida Pinto.

O legado: Muito feito, pouco reconhecido
Fundador da Loja Maçônica Fraternidade Paulista, da Sociedade Instrução e Recreio, da Orphelina Barretense, do Grêmio Literário e Recreativo, do Tiro de Guerra 512… advogado, juiz de paz — e ainda assim, morreu pobre. Só não foi enterrado como indigente porque a maçonaria comprou uma carneira para garantir-lhe um descanso digno.

Em 2018, durante os trabalhos desenvolvidos por mim na Comissão de Estudos do Patrimônio Histórico e Cultural dos Cemitérios de Barretos, registrei o estado de abandono do túmulo dele…

Registro do túmulo do Cel. Almeida Pinto, em 2018. Foto/acervo: Sueli Fernandes

Em 2019, graças ao professor Gerson Aparecido Rodrigues, ex-diretor da escola que leva seu nome, a reforma foi entregue no Dia do Patrono. Um gesto de memória e justiça.

Gerson Ap. Rodrigues apresentando o túmulo após as melhorias. Fonte: Jornal de Barretos, 16/04/2019.

Um nome, muitos rostos
Anchieta, Louco, Bobo e Coronel. Almeida Pinto foi tudo isso — e mais. Um republicano engajado entre tantos outros que lutaram pela democracia, um educador ousado, um cronista espirituoso e uma figura que vive até hoje nas histórias da cidade. Seu legado está nas instituições, nas crônicas e nas anedotas que ainda arrancam risos e admiração.
Porque em Barretos, até a memória tem apelido — e que apelidos!

Relacionado

Ops, você não pode copiar isto!