Barretos contrata leitos extras de UTI neonatal após decreto de emergência
A Partida de Barretos: uma fuga em carreata
Fonte da foto: Jornal de Barretos. Ano I, nº 6, junho 1988
A situação em Barretos ganhou contornos de provocação nacional com a prisão do delegado — surpreendido na madrugada do dia 01 de junho de 1925, pelos revoltosos liderados pelo Philó, enquanto dormia no Hotel Tellini. O episódio foi interpretado pelas autoridades da capital, já alertadas pelo suplente de delegado, Argemiro de Gusmão, e pelos despachos do juiz local Belmiro Simões, como uma afronta escancarada às instituições. Prender uma autoridade constituída não era apenas uma ação ousada: era um sinal perigoso de desobediência que, se tolerado, poderia inspirar movimentos similares em outras cidades do interior. A Força Pública do Estado de São Paulo, então, não hesitou: assumiu o episódio como um desafio à ordem política e jurídica do país — e preparou uma resposta à altura, com tropas e rigor exemplar.
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O cerco começou a se formar com pressa e propósito lideradas pelo suplente de delegado Argemiro com apoio das delegacias de Colina, Jaborandi e Bebedouro. E Philogônio Theodoro de Carvalho, homem de passos elegantes e ideias ousadas, diante da resistência percebeu que seu tempo na cidade estava se esgotando.
A resistência na Estação de Colina havia provocado baixas dolorosas no grupo revolucionário e, com as tropas legalistas em marcha, Philó tomou a decisão que mudaria o rumo da história: fugir. Mas não qualquer fuga. Ele transformou o que seria uma retirada estratégica em um espetáculo à parte: apossou-se de quinze automóveis e dois caminhões. A comitiva motorizada se organizou com eficiência e até certo charme, desfilando pelas ruas como se saísse para um piquenique improvisado, rumo ao Mato Grosso — onde esperava encontrar a Coluna Prestes.
Os carros, que até então serviam aos negócios e deslocamentos pacatos da cidade, ganharam súbita vocação revolucionária. Alguns ainda exibiam os logotipos de empresas locais, outros levavam caixas, sacolas e mapas dobrados às pressas. Philó seguia à frente, com o rosto sério e o olhar no horizonte, guiando não apenas veículos, mas também a expectativa de que algo maior — mais organizado, mais promissor — estivesse à espera depois da curva da estrada.
Antes de colocar a frota pra roncar pelas estradas do sertão, os revoltosos resolveram testar uma última cartada: financiar a revolução diretamente da fonte — os cofres do Banco do Brasil e da Banca Francesa e Italiana. Equipados com furadeiras, alavancas, limas e um otimismo que nem os juros da época conseguiam conter, partiram para o ataque com a convicção de quem acredita que concreto armado tem sentimento.
Detalhe saboroso: Philogônio, fiel ao seu estilo meio rebelde, meio cavalheiro, fez requisições dos instrumentos utilizados. A ideia? Pagar tudo depois — quando, quem sabe, a revolução entrasse em liquidação. Mas o tempo não colaborou. O cerco avançava, os ponteiros corriam, e os cofres mostravam que estavam distantes de caixa fácil.
Romper concreto exigia tempo, técnica e paciência — três coisas que Philó não tinha sobrando. O plano, então, foi deixado de lado com a mesma delicadeza com que se abandona um sonho impróprio para o clima. Não houve saque, mas houve estilo. Afinal, poucas revoluções tentam arrombar um banco com ferramentas devidamente requisitadas e assinadas. Philó sabia que não adiantava ter ouro se os caminhos estavam abertos às interceptações, partiu em fuga.
No trajeto os homens cuidaram de cortar linhas telegráficas e telefônicas por onde passavam, numa tentativa de dificultar o trabalho da polícia, desaparecer dos mapas e das notícias. A fuga, assim, ganhou contornos de operação militar e tom de marcha clandestina — ainda que guiada por motores barulhentos e carros nada discretos.
Enquanto a coluna avançava pelas estradas de terra e poeira, alguns moradores trancavam armazéns e se escondiam… Entre os revoltosos, o clima misturava tensão, euforia e esperança, como quem sabe que está prestes a viver o capítulo mais incerto — e talvez decisivo — da saga. Na próxima edição: travessia aquática, sabotagem esquecida, tiros no Prata e o salto final rumo ao Paraguai. Porque toda coluna precisa de um final — mesmo quando é Philo quem a lidera.